A espionagem e o bom aluno

António Louçã — 12 Novembro 2013

espionagemUSSucedem-se as revelações sobre a espionagem da NSA. Os alvos não foram apenas governos considerados hostis, mas também amigos tão estimados como os governos da Alemanha, da Itália, da França, de Espanha. Não se procurava, portanto, informações úteis na chamada luta antiterrorista, mas também aquelas que fossem úteis às multinacionais norte-americanas, para torná-las mais “competitivas” contra as concorrentes europeias. Não espiavam apenas a CIA e a NSA, mas também os serviços alemães, que entregavam aos colegas ianques informações sobre os concidadãos alemães, os serviços franceses, os italianos e os espanhóis que faziam exactamente o mesmo sobre os seus concidadãos.

O mandamento universal da contra-revolução parece achar-se aqui confirmado: os espiões não têm pátria. Acima dos seus laços nacionais estão as cumplicidades ideológicas, políticas, de confraria, de bufaria, de classe. Os espiões de todo o mundo unem-se sob a bandeira do mais forte. Estado dentro do Estado, não hesitam mesmo em trair as suas próprias burguesias, e em fornecer ao capital norte-americano segredos de empresas com os respectivos pavilhões nacionais.

No meio disto tudo, já alguém se perguntou por que motivo não há vestígios de a NSA ter espiado Portugal. E respondeu, com graça, que os espiões da NSA eram logo desmascarados, porque as vítimas portuguesas os ouviam a bocejar ruidosamente do outro lado da linha.

Alguma verdade existe na blague. Mas, se formos a ver bem as coisas, o problema de espiar o Governo português nem está tanto nos bocejos ruidosos. É bem possível que a NSA nem tenha tentado. Para quê espiar um Governo tão previsível, que se sabe sempre o que vai fazer? Para quê consumir o dinheiro do contribuinte ianque a escutar um Passos Coelho que obedece sempre e faz sempre o que lhe mandam? Mas, e se ele recebe ordens contraditórias de Berlim e de Washington, não deixará de ser previsível? Não, também nesse caso se conhece o reflexo de se sentar num canto e esperar que passe a tormenta.

E os espiões portugueses não colaboram com a NSA, como os alemães, italianos, espanhóis e franceses? Serão eles mais “patrióticos”? Bem vimos como um super-espião pode saltar das suas funções para o serviço da Ongoing – não é portanto qualquer “preconceito” contra a venda de préstimos mercenários a um país terceiro. Pode ter havido essa venda, sem se saber; ou pode não ter havido, mas não porque os espiões portugueses não estejam ansiosos por ser úteis e agradáveis.

A verdade é que os bons alunos não interessam nem ao menino Jesus.


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