Portugal desigual, causas e ilações necessárias

Pedro Goulart — 8 Outubro 2013

Portugal passa fomeUm recente inquérito realizado junto de instituições de solidariedade social evidencia bem o aumento da pobreza verificado em Portugal nos últimos dois anos. Nesse estudo, promovido pela Federação Portuguesa dos Bancos Alimentares contra a Fome em parceria com a Universidade Católica, mostra-se que “os mais pobres vivem cada vez pior e que a crise os atinge na satisfação das suas mais básicas necessidades”. De referir que 52% dos agregados familiares inquiridos recebem, por mês, menos do que um salário mínimo nacional e que perto de 25% dos agregados recebem menos do que 250 euros. De salientar, ainda, que estes valores, em 32% dos casos, dizem respeito a rendimentos de trabalho, isto é, referem-se a famílias que, apesar da crise, conseguem estar empregadas. Mais, 39% dos inquiridos afirmou ter passado um dia por semana sem comer, por “falta de dinheiro”.

Alarga-se o fosso que separa os ricos dos pobres

Também o professor Farinha Rodrigues, investigador do ISEG, salienta que o nosso país é um dos mais desiguais da UE, destacando que houve uma ligeira redução das desigualdades até 2009, devido às políticas sociais de combate à pobreza, nomeadamente com o RSI ou com o complemento social para os idosos. Afirmou, igualmente, em entrevista ao Esquerda (do BE) que, desde que existem estatísticas sobre a distribuição dos rendimentos em Portugal, o nosso país “apresenta níveis de desigualdade, quer nos rendimentos familiares quer no rendimento salarial, muito superiores à média da União Europeia”.

Ainda, a organização não governamental Oxfam afirma que “Portugal tem beneficiado as “elites económicas” e corre o risco de se transformar num dos países com maiores desigualdades sociais se insistir em medidas de austeridade, referindo ainda estimar que a austeridade na Europa pode empurrar mais 25 milhões de pessoas para a pobreza até 2025. Entre os efeitos das políticas ditas de austeridade, salienta a Oxfam, estão o recuo dos direitos sociais, “os cortes radicais nos orçamentos da segurança social, da saúde e da educação, a redução dos direitos dos trabalhadores e uma fiscalidade injusta”. A Oxfam salienta também, referindo-se especificamente no caso português, que o País já é um dos mais desiguais na Zona Euro e ocupa o sétimo lugar da tabela em termos de desigualdades económicas na União Europeia. Em Portugal, os rendimentos dos 20 por cento mais ricos representam quase seis vezes o valor dos rendimentos dos 20 por cento mais pobres.

Causas e ilações necessárias

Mas as desigualdades realmente existentes em Portugal, que também se verificam, embora em diferentes graus, nos países ditos ricos e desenvolvidos (veja-se o Índice de Gini) e que as estatísticas, os investigadores e os diversos organismos não governamentais confirmam, não resultam de qualquer fenómeno inexplicável. São, antes, o produto de sociedades divididas em classes — as sociedades capitalistas — em que as classes dominantes (burguesas) se apropriam de parte da força de trabalho das classes assalariadas e, conforme a correlação de forças existente, determinam a produção, a repartição e a distribuição dos bens indispensáveis à satisfação das necessidades humanas. Mas, claro, as suas decisões (da burguesia) são tomadas em função dos seus interesses de classe.

Em vez de ficarmos por análises exaustivas deste problema e de nos lamuriarmos, é indispensável que retiremos as necessárias ilações do facto dele resultar do domínio capitalista do mundo. Ficar à espera de decisões “bondosas” do patronato ou de alguns remendos apontados pelos reformistas (nomeadamente medidas dispersas ditas de combate à pobreza), não é solução. Sem uma alteração radical desta ordem de coisas, sem a expropriação dos principais meios de produção, o controlo da distribuição dos bens essenciais e a tomada do poder político pelas classes trabalhadoras, as desigualdades continuarão, em maior ou menor grau, dependendo apenas do nível da luta de classes. Daqui se infere que só o derrube do sistema capitalista conseguirá superar a actual situação de exploração e opressão das classes trabalhadoras e do povo, abrindo caminho à eliminação das diversas desigualdades económicas e sociais.


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