As raízes a nossa “pseudo-democracia”

Manuel Raposo — 25 Julho 2013

Disse Mário Soares por um destes dias que vivemos numa pseudo-democracia. Grande mudança se deu na cabeça de Soares desde a altura em que elogiava Passos Coelho como um homem sério e inteligente — já as medidas antipopulares do governo faziam o seu curso. Como estes louvores, repetidos por mais de uma vez, agora lhe queimam a boca, Soares mudou de rumo.
É claro que vivemos numa pseudo-democracia. Mas não será inútil esclarecer de onde vem este regime, a que seria preferível chamar plutocracia, e qual foi o papel que o dr. Soares desempenhou na sua criação.

Pelo verão de 1975, com o movimento popular no auge, o dr. Soares foi o testa de ferro da direita que mobilizou as forças pequeno burguesas contra a “extrema-esquerda”. A democracia parlamentar que ele ajudou a montar — na sequência de um golpe militar — estabilizou o domínio político do capital e excluiu o povo de qualquer papel no poder.

Como primeiro-ministro foi o responsável pelas leis que começaram a liquidação das conquistas sociais: lei da delimitação dos sectores económicos para abrir as empresas públicas ao capital privado, lei Barreto para liquidar a reforma agrária, lei dos contratos a prazo (lei Gonelha) que iniciou o trabalho precário, lei de facilitação do despedimento colectivo, política de indemnização dos capitalistas expropriados, etc.

Mas, mostrando-se a consolidação do capital mesmo assim difícil, Soares foi o negociador de dois acordos de financiamento com o FMI que apertaram o cinto a toda a população trabalhadora, condição para que o frouxo capital nacional se pudesse acolher debaixo da asa do capital europeu.

Viabilizou as revisões constitucionais de 1982 e 1989 que concederam novos terrenos de caça ao capital privado e deram início às privatizações das empresas nacionalizadas em 1975.

Teve oportunidade, como presidente da República, de assistir à liquidação da pequena produção em todos os sectores económicos, ao crescimento do desemprego, à degradação progressiva dos salários.

O resto da história é o que hoje se pode ver. Aberto o caminho por este pioneiro, aí está a democracia “ocidental”, representativa, no seu estado maduro.

Gustave Flaubert, assustado com a Comuna de Paris, escreveu com cinismo: “É preciso respeitar a massa. Dai-lhe a liberdade, mas não o poder”.


Comentários dos leitores

afonsomanuelgonçalves 28/7/2013, 12:23

Uma pseudo-democracia não se define facilmente, mas uma democracia burguesa exprime bem as formas que assume perante os direitos dos trabalhdores nela inseridos assim como a liberdade que se lhes reconhece e todos os outros condicionalismos que lhe estão reservados. É como se sabe uma democracia ao serviço da exploração dos trabalhadores e da propriedade privada dos patrões e de rentistas que vivem à custa de quem é obrigado a vender a sua força de trabalho para sobreviver. Soares foi e será sempre o paladino deste tipo de sociedade e dele não se pode esperar mais nada do que isso. Mas o revisionismo contemporâneo esstá sempre disponível para lhe dar as oportunidades que ele entender desde que se alie aos seus desígnios políticos que são tão obscuros ou mais do que os do PS de Soares, Sócrates, Seguro, Alegre e dos restantes corrleligionários desta "esquerda" também ela moribunda.

António alvão 31/7/2013, 14:47

Parece-me que isto ... já deu o que tinha a dar, está esgotado? Alguns deixaram de colaborar convosco, outros deixaram de vos comentar.
As lutas politicas e sociais do século xxI viraram, felizmente, libertárias. Os povos e os mais esclarecidos deixaram de acreditar naquela "esquerda" ortodoxa burlesca ideologicamente que, quando chega ao poder, se não vira ditadura, vira direita! O caso do Brasil, China, Angola e tantos outros casos!
O poder só serve os corruptos ideológicos e económicos. Os políticos no poder, já têm tudo, e que ninguém lhes fale em socializar o quer que seja. Foi assim no passado e será no futuro se os povos forem ingénuos. Portanto, o poder nunca deve de ser conquistado, mas sim destruído.


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