A morte de Hugo Chávez

Manuel Raposo — 8 Março 2013

Fortemente dependentes da figura de Hugo Chávez, as transformações realizadas na Venezuela irão sofrer certamente com o seu desaparecimento. Mas é de acreditar que o povo venezuelano, tendo ganho a percepção dos ganhos sociais resultantes da Revolução Bolivariana, não abdique nem da defesa dos seus interesses nem do caminho de independência face ao imperialismo.

Eleito pela primeira vez em 1998, Hugo Chávez pôs em prática uma política popular financiada nos enormes recursos naturais do país, especialmente o petróleo. Para isso, nacionalizou grande parte das empresas que exploravam tais recursos enfrentando os interesses estrangeiros e os capitalistas nacionais a eles agregados.
Mais de 43% do orçamento do Estado destina-se a programas sociais. O analfabetismo foi praticamente eliminado. Muitos trabalhadores saíram da pobreza. A participação política directa da população e a sua organização em comités locais teve um enorme incremento. O regime deu assim voz e expressão política aos interesses imediatos de milhões de pessoas.
Não é o socialismo. Não é o poder dos trabalhadores. Mas a política nacionalista de Chávez, apoiada por largas camadas da população trabalhadora e pobre, causou um revés ao domínio do grande capital venezuelano e dos capitais imperialistas.

No plano internacional, um dos aspectos mais importantes do regime venezuelano está no facto de ter dado alento na América Latina a uma onda de resistência ao domínio tradicional do imperialismo norte-americano. Regimes progressistas com forte apoio popular surgiram na Bolívia e no Equador. Noutro plano, mesmo o Brasil, a Argentina, o Chile ou o Peru ganharam mais espaço de manobra para se distanciarem da dependência dos EUA. A formação de um Mercado Comum sul-americano, a criação da Aliança Bolivariana para as Américas, a fundação de um canal televisivo internacional de informação alternativa – são disso exemplos. Cuba, estrangulada por um criminoso bloqueio por parte dos EUA que dura há 60 anos, passou a ter apoios externos importantes.

Não admira portanto que Chávez e o regime bolivariano tenham suscitado a ira do imperialismo, não apenas o norte-americano mas também o europeu. E, bem assim, a ira das burguesias latino-americanas mais dependentes do capital imperialista. O golpe (falhado) de 2002, que chegou a deter Chávez, teve na sombra a mão dos EUA. Foi a forte mobilização popular que o fez abortar e que acabou por dar maior impulso ao regime chavista. De então para cá, em mais de uma dezena de eleições livres o Partido Socialista Unido da Venezuela saiu vencedor, apesar das fortes campanhas conduzidas contra o regime a partir dos EUA ou da União Europeia.

Por tudo isto, a declaração de Obama, feita pouco depois da notícia da morte de Chávez, tresanda a cinismo: a sua “reafirmação de apoio ao povo venezuelano” não é diferente e vem na linha do apoio constante que os EUA sempre deram, em nome “do povo”, aos opositores do regime. Falou mais claramente um congressista republicano ao regozijar-se com a morte de Chávez com um “Boa viagem!”.

Também não serão de tomar à letra as declarações de circunstância, mesmo quando simpáticas, feitas por figuras do poder português. Paulo Portas, Cavaco Silva, Sócrates, Manuel Pinho tiveram em mente sobretudo o jeito que deram ao capitalismo nacional (em crise) os investimentos venezuelanos em Portugal, ou o impulso à exportação de produtos nacionais permitido pela melhoria das condições de vida dos venezuelanos. Mas não deixam de continuar a detestar o domínio político do chavismo na cena venezuelana e as conquistas populares assim conseguidas.


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