Um frete ao governo

Pedro Goulart — 1 Outubro 2012

A pedido do governo PSD/CDS, o Conselho Nacional da Ética para as Ciências da Vida (CNECV) deu recentemente um parecer em que considera existir fundamento ético para que o SNS promova medidas no sentido de conter os custos com medicamentos, tentando assegurar uma “justa e equilibrada distribuição dos recursos”. O mesmo parecer do Conselho Nacional da Ética sugere que se passe do actual “racionamento implícito” para um “racionamento explícito e transparente, em diálogo com os cidadãos”. É, de facto, um parecer que defende a “poupança” na despesa com os tratamentos mais caros para doenças como o cancro, a sida ou as doenças reumáticas.

Mas o presidente do CNECV, Miguel Oliveira e Silva, foi ainda bastante mais claro quanto ao sentido do respectivo parecer. Em entrevista à Antena 1, Oliveira e Silva disse que o racionamento nos medicamentos deve alargar-se aos meios complementares de diagnóstico, como as ecografias, as TAC e as análises, defendendo que “Portugal não continue a comportar-se como se fosse um país rico”.

E acrescentou, sublinhe-se, que “Vivemos numa sociedade em que, independentemente das restrições orçamentais, não é possível em termos de cuidados de saúde todos terem acesso a tudo”. O que podemos deduzir das palavras de Oliveira e Silva? Que uns terão direito a tudo na saúde – os ricos – enquanto os outros – os pobres – terão direito a morrer mais cedo? Onde é que já ouvimos este discurso? Fala um médico ou um gestor de um governo “neoliberal”?

Saliente-se que o CNECV, apesar de em posterior conferência de imprensa ter procurado branquear o sentido do que escrevera e dissera, forneceu, efectivamente, um parecer que defende o “racionamento explícito” nos medicamentos e nos meios complementares de diagnóstico utilizados pelo Serviço Nacional de Saúde. Dando, assim, cobertura às intenções de um Ministério da Saúde onde pontifica gente interessada no negócio das seguradoras e no aumento dos negócios da medicina privada. Sabendo nós que tais intenções governamentais se traduzem, na prática, numa crescente dificuldade de acesso dos trabalhadores e do povo aos cuidados de saúde, assim como na sua exclusão de parte dos benefícios resultantes do progresso das ciências médicas.

Para melhor compreender o frete do CNECV ao governo, é aconselhável olhar para a própria composição do Conselho Nacional da Ética, onde os interesses das classes dominantes (burguesas) se cruzam com vários interesses individuais na medicina privada e, até, com algumas ambições pessoais. E talvez que o catolicismo militante (e caritativo?) do ministro Paulo Macedo e do doutor Oliveira e Silva tenha estabelecido uma boa ponte para este retrógrado e desumano acerto de posições.


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