Para que não se percam os frutos da civilização

Manuel Raposo — 5 Julho 2012

Nesta segunda parte da intervenção feita no congresso Marx em Maio realça-se a posição das correntes marxistas que mostram as raízes da actual crise mundial. Em vez de culparem o “neoliberalismo”, ou a financeirização do capital, como se a crise tivesse origem numa qualquer deriva ideológica das classes dominantes ou num entorse do capitalismo – aquelas correntes mostram a crise como resultado do próprio crescimento capitalista. É esse crescimento que, contraditoriamente, provoca a queda da taxa de lucro do capital e o declínio de todo o sistema.

Antecedentes da crise
Se não é uma crise de negócios, nem uma simples deriva ideológica – então o que é a presente crise?
As correntes marxistas que me parece terem uma posição mais clara sobre o assunto chamam a atenção para o facto de as raízes do colapso financeiro de 2007-2008 remontarem aos anos de 1970. De facto, depois do crescimento impetuoso subsequente à segunda grande guerra, o ritmo de acumulação do capitalismo dos grandes centros mundiais foi sofrendo uma desaceleração. Com altos e baixos, mantém-se há perto de 40 anos com reduzidas taxas de acumulação. O estoiro de 2007-2008 (iniciado no coração do capitalismo mundial, é de notar) terá sido o desembocar deste longo processo. E este último trambolhão arrasta agora mesmo os novos centros de acumulação que entretanto se afirmavam – a China, a Índia, o Brasil – cujas taxas de crescimento sofreram quebras importantes.
Todo o sistema capitalista mundial está portanto em quebra, contrariamente à ideia de que se assiste apenas a uma transferência de poderes.

Longa depressão
Quarenta anos de crise é coisa que parece contrariar a própria ideia de crise que, na acepção de Marx, é um momento, mais ou menos curto, de acerto de contas entre o excesso de produção e a escassez do mercado. Engels todavia fornece uma pista importante em dois momentos. Numa nota de 1885 à Miséria da Filosofia aponta a possibilidade de “a estagnação crónica [passar a ser] o estado normal da indústria moderna, apenas com ligeiras oscilações” (3). Também numa nota (talvez de 1886, segundo Maximilien Rubel) ao Livro III de O Capital, Engels insiste na possibilidade de os ciclos regulares (até então mais ou menos decenais) terem dado lugar a uma situação caracterizada por “uma alternância mais crónica, mais alongada, a uma melhoria relativamente breve e fraca dos negócios e a uma depressão relativamente longa e indecisa atingindo vários países industriais em momentos diferentes.” (4)

Queda da taxa de lucro
Parece ser este o caso de hoje, com a agravante de o marasmo atingir o grosso dos países capitalistas ao mesmo tempo. Onde está a origem deste declínio arrastado?
Ao que tudo indica, num factor que acompanha e condiciona o processo de crescimento capitalista: a queda da taxa de lucro.

Socorro-me de três estudos, que me parecem dignos de nota, que chamam a atenção para a queda efectiva da taxa de lucro do capital, fruto precisamente, como Marx bem vincou, do progresso capitalista.
O francês Claude Bitot, em 1995, mostra que a taxa de lucro nos 25 países da OCDE foi decaindo à medida do desenvolvimento posterior à segunda grande guerra (5).
Outro francês, Tom Thomas, vinca o carácter crónico da actual crise, pegando na hipótese colocada por Marx de uma sobreprodução absoluta de capital (6).
Recentemente, em 2011, o norte-americano Andrew Kliman constata também a queda da taxa de lucro nos EUA (“um longo declínio iniciado na segunda metade dos anos 50”). Segundo ele, terá sido essa a causa que foi puxando para baixo os ritmos de crescimento e que tornou débeis as recuperações subsequentes à grande crise dos anos de 1970 e às várias crises dos anos 80 e 90 – acabando por fazer a cama ao colapso de 2007-2008 (7).

Bloqueio da produção capitalista
A importância que vejo neste ponto de vista é que ele coloca a tónica não em supostas derivas ideológicas (neoliberal ou outra), nem na hipertrofia financeira do capital – mas no bloqueio da própria produção capitalista.

Numa situação em que o capitalismo vê declinar a sua força motriz, que é o lucro, todo o sistema social esgota o seu papel histórico, tornando-se então “um obstáculo ao desenvolvimento da produtividade”. “Com isso”, diz Engels, [o capitalismo] “prova, simplesmente, uma vez mais, que entra no seu período senil e que, cada vez mais, se limita a sobreviver”. (8)

(Continua)

Notas
(3) Karl Marx, Miséria da Filosofia. Prefácio de F. Engels à 1.ª edição alemã, p. 20. Edições “Avante!”. Lisboa, 1991.
(4) Karl Marx, O Capital, Livro III, p. 1772. Éditions Gallimard, 1963 e 1968.
(5) Claude Bitot, Inquérito ao capitalismo dito triunfante. Edições Dinossauro, Lisboa, 1996.
(6) Tom Thomas, A crise crónica ou o estádio senil do capitalismo. Edições Dinossauro, Lisboa, 2007.
Marx admite uma situação de sobreprodução absoluta de capital nestes termos: “uma sobreprodução que afectaria não este ou aquele domínio ou alguns domínios importantes da produção, mas seria absoluta pela sua própria amplitude e englobaria portanto todos os domínios da produção”. Karl Marx, O Capital, Livro III, p. 1595. Éditions Gallimard, 1963 e 1968.
(7) Andrew Kliman, The failure of capitalist production. Pluto Press, London, 2012.
(8) Karl Marx, O Capital, Livro III, tomo I, p. 274. Éditions Sociales, Paris, 1969. (Passagem redigida por Engels sobre notas de Marx).


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