Vós, não nós
30 Abril 2012
Em recente entrevista à revista brasileira Veja, Passos Coelho procurou justificar a sua política de austeridade. Declarou que “os desequilíbrios existentes em Portugal são resultado de más decisões tomadas por nós mesmos”. Acrescentou que “usámos mal o dinheiro, seleccionámos mal os projectos de obras públicas, aumentámos os impostos, não abrimos a economia”. E, venerador, sentenciou que “os líderes europeus não agravaram os nossos problemas, pelo contrário, ajudaram-nos”.
O “nós” de Passos Coelho refere-se, claro, aos portugueses em geral. Pretende estabelecer uma espécie de culpa colectiva e assim exercer uma coacção moral que resigne “todos” – isto é, os trabalhadores – à “inevitabilidade” dos “sacrifícios”. É uma conversa que mete no mesmo saco os agentes da política de que ele agora se queixa e as vítimas dessa mesma política; e que tenta, na linha de subserviência que lhe é própria, absolver os interesses do capital europeu, que sugou os recursos do país enquanto lhe foi possível.
Não, dr. Coelho, aqui não há culpas colectivas. Responsáveis por essas decisões são apenas os capitalistas portugueses e os seus comparsas europeus: banqueiros e capitães de indústria, gestores públicos e privados. São os homens (da área PS, PSD, CDS) que, a mando deles, governaram o país nas últimas décadas, enxameando o aparelho de estado e esbanjando dinheiro com as suas clientelas.
Os patrões e políticos que integraram o país na CEE e na UE, sem qualquer consulta democrática, são os mesmos que geriram a bel-prazer e se abotoaram com os milhões dos financiamentos europeus, adoptaram o euro, destruíram os sectores produtivos, construíram milhares de quilómetros de estradas e estádios de futebol desnecessários, compraram carros de combate e submarinos a mandado dos chefes da NATO.
Fostes vós, não nós.