Lutas de empresa: dois casos
Urbano de Campos — 10 Março 2012
As grandes manifestações sindicais, a greve geral de Novembro passado e outras acções massivas de rua, como as dos jovens, expressam a indignação que vai nos trabalhadores e na população atingida pela austeridade. O mesmo se espera da greve geral marcada pela CGTP para 22 de Março. Mas a fraca e esporádica resistência que se pode observar nas empresas, ditada sobretudo pelo medo de represálias, cria um estado de divisão e de falta de confiança que debilita a resposta dos trabalhadores.
Este estado geral tem no entanto excepções que merecem ser divulgadas e evidenciadas. Dois casos de lutas recentes mostram que o caminho da resignação e da derrota não é obrigatório: a paralisação do pessoal da manutenção da TAP, em Lisboa; e a luta vitoriosa dos trabalhadores da Cerâmica Valadares, em Gaia.
TAP
É de lembrar e de realçar que a paralisação na TAP, em protesto contra os cortes salariais impostos pela administração, se deu sem aviso. Foi o pessoal da manutenção que teve a iniciativa de ir para a frente e que, ganhando o apoio sucessivo de trabalhadores dos demais sectores, conseguiu juntar muitas centenas de trabalhadores e manter encerrados durante horas os portões da empresa. Era visível, pelas imagens transmitidas, a solidariedade e a satisfação dos trabalhadores pelo êxito da acção, mesmo dos que não puderam sair logo que o seu turno acabou.
Surpreendida pelo protesto, a administração teve de falar baixinho e só mais tarde arranjou coragem para aventar a possibilidade de levantar processos disciplinares aos trabalhadores envolvidos.
A propósito da “legalidade” ou “não legalidade” da acção, vale a pena recordar o caso, apesar de tudo diferente, dos sequestros de patrões verificados em França em 2009. Os trabalhadores franceses não só conseguiram, em muitos desses casos, que as suas exigências fossem satisfeitas como contaram com o apoio da maioria da população francesa. Foi a firmeza posta na luta e a justeza do que reclamavam que lhes granjearam esse apoio. E foi também esse apoio que tornou impotentes os patrões e o governo.
A acção dos trabalhadores da TAP, mesmo sem ter tido sequência, revelou um caminho de luta que merece ficar registado.
(De resto, a decisão recente do governo de não aplicar aos trabalhadores da TAP os cortes salariais que motivaram a luta – os subsídios de férias e Natal – não é alheia a essa mesma luta e à forma que ela assumiu. O argumento dado pelo governo de que é preciso garantir o sossego na empresa para que a privatização corra bem, mostra isso mesmo. De outro modo, até seria mais aliciante para os potenciais compradores que o governo lhes oferecesse uma TAP cujos trabalhadores acatassem passivamente a decisão de lhes cortar salários.)
Valadares
Também no caso da Cerâmica Valadares foi a união e a forma decidida de luta, sem cedência, que assegurou o êxito dos trabalhadores. Começando por paralisar o trabalho, exigindo o pagamento dos salários atrasados, os trabalhadores passaram depois a medidas que atingiam directamente os interesses dos patrões: impediram a saída de produtos que a empresa continuava a vender, permanecendo em piquetes dia e noite, durante semanas, à porta da fábrica. Mantiveram, além disso, uma saudável desconfiança nas variadas promessas dos patrões e reclamaram deles actos concretos em vez de palavras. E, quando os patrões finalmente tiveram de ceder (cuidando eles próprios de arranjar os meios para pagarem o que deviam), os trabalhadores tiveram ainda força para impor mais duas exigências lógicas: o pagamento dos dias de paralisação (motivada pelo incumprimento dos patrões) e a garantia de que não haveria represálias sobre os grevistas.
Foi um exemplo de luta de empresa que mostra como a força, que parece imbatível, do patronato pode ser transformada em fraqueza quando do lado dos trabalhadores se levanta uma barreira decidida às injustiças.
A par dos grandes protestos de rua, multiplicar casos com estes de resistência nas empresas será um passo indispensável para travar a ofensiva do patronato e do governo.