Conselhos lúcidos às classes dominantes?

Pedro Goulart — 7 Fevereiro 2012

reforma-agraria.jpgCom a crescente ofensiva anti-trabalhadores dos últimos anos, os discursos e as análises das classes dominantes e dos seus assalariados nos média têm vindo a aumentar, recorrendo frequentemente à chantagem. Os analistas de serviço têm-se esforçado por convencer os seus leitores e as audiências da bondade das medidas adoptadas contra os trabalhadores pelos governos lacaios do capital e pelas diversas instituições do regime. Contudo, de vez em quando, surgem algumas vozes mais lúcidas do interior das classes dominantes, que advertem para os perigos que as medidas extremas adoptadas pelos governantes burgueses podem trazer aos seus próprios interesses de classe.

Já em 2010, numa palestra no Instituto Superior de Gestão, Belmiro de Azevedo, patrão da Sonae, discordando do aumento de impostos previsto no plano de austeridade do governo de José Sócrates, alertava o Executivo para eventuais consequências sociais gravosas: “está a brincar com o fogo”, porque “o povo quando tem fome tem direito a roubar”.

Recentemente, já em 2012, talvez no mais relevante discurso da abertura do ano judicial, o presidente do Supremo Tribunal de Justiça, criticou o “discurso unilateral e unipolar” contra os “direitos adquiridos”. “ Defender que não há direitos adquiridos é dizer que todos eles, mas todos, podem ser atingidos, diminuídos ou, no limite, eliminados; ou seja, é admitir o regresso das ocupações, das autogestões ou do confisco”. O próprio direito à propriedade privada estaria, assim, posto em causa.
Contudo, os alertas de Noronha do Nascimento para as consequências desse “discurso unilateral e unipolar”, acenando com o perigo de um novo PREC e do “anarco-populismo” (lembrando ameaçadoramente o movimento popular de 1974/1975), não agradou a todos os serviçais do regime. E atacaram-no, em diversos artigos de opinião.

Saliente-se que a verdade é que as classes dominantes, designadamente os governantes, têm consciência dos perigos levantados por Noronha do Nascimento. Mas, não conhecendo outro caminho para responder à crise do sistema que não seja penalizar os trabalhadores, previnem-se reforçando os diversos aparelhos repressivos: é o que está em curso com as polícias e as forças armadas, assim como com a chamada reforma da Justiça e dos serviços secretos.

Belmiro de Azevedo, Noronha do Nascimento e vários outros (afora alguns que pensam o mesmo, mas não se atrevem a dizê-lo abertamente), cada um à sua maneira, e embora por razões diferentes, têm advertido os governantes para as eventuais e perigosas consequências dos seus actos. Mas ficamos sem saber onde acabam as pressões para a defesa dos seus particulares e imediatos interesses de classe e onde começam os alertas e preocupações com o futuro da dominação da classe a que pertencem. Contudo, de uma coisa temos a certeza: o que preocupa estes senhores não são os mesmos problemas que afligem os explorados e oprimidos deste País.

Nestes tempos difíceis, do vale tudo, de uma crise profunda e global do capitalismo, em que os governantes portugueses e os seus analistas de serviço aos média pretendem convencer-nos de que temos vivido “acima das nossas possibilidades” e a que interiorizemos a ideia de que não há outra saída que não seja aceitar os ditames da troika (que há que cumprir “custe o que custar”, no dizer de Passos Coelho), nestes tempos difíceis, dizíamos, não podemos deixar que nos adormeçam com tais cantilenas. Apesar de não estar à vista nenhuma vaga revolucionária, será aos trabalhadores e ao povo que caberá, pela luta, (se tiverem capacidade e vontade para tal) tornar realidade as previsões/preocupações de Belmiro de Azevedo, Noronha do Nascimento e outros: apossando-se do pão a que têm direito, ocupando as empresas e fazendo a sua autogestão, tomando o poder.


Comentários dos leitores

António alvão 11/2/2012, 0:29

Olá, Pedro,
Qual é o movimento anarco-populista? Desconheço! Anarco-sindicalista, sei o que é. É um anarquista filiado numa central sindical com ligação à velhinha AIT.
Será que o Noronha do Nascimento terá alguma coisa a ver com o Anarquismo?
Há um colaborador do MV (?) que tem esta expressão: " Há ideias anti-organização e ou anárquicas, no seio do frágil movimento que se levanta". Este individuo revela ignorância da história do movimento operário, ou coloca-se nos antípodas do ideário Anarquista e tende denegrir a história do movimento libertário, como foi sempre provocação dos totalitarismos!
Para muitos, organização há só uma, a que tem a classe dirigente e mais nenhuma!
No movimento anarco-sindicalista, existe a seguinte palavra de ordem: " unidos e auto-organizados nós damos-lhe a crise!
De resto, Pedro, subscrevo o teu texto! Até apelas á autogestão!
Se me permitem um dito? " A anarquia é a alternativa à desordem do estado! Um abraço. A.A.


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