Redescobrindo a luta de classes
António Louçã — 28 Dezembro 2011
Os governantes que temos são os típicos charlatães que vendem gato por lebre e, no meio duma crise, impingem todas as suas medidas anti-populares como remédios milagrosos para sair do aperto. Cada vez que nos metem a mão no bolso dizem, com ar grave e solene, que tinha de ser, que as contas o provam, que “não havia margem”.
A grande desculpa para “não haver margem” é, invariavelmente, o défice. E, na verdade, o roubo dos salários do sector público, iniciado sob Sócrates e prosseguido com ferocidade incomparável sob Passos Coelho, parece justificar-se para quem aceita como dogma absoluto a prioridade da redução do défice. Tal como parecem justificar-se do mesmo ponto de vista dogmático os aumentos de taxas moderadoras, de preços dos transportes ou de impostos sobre tudo e mais alguma coisa. E, com algum esforço, também poderiam ser relacionadas com o défice a limitação do período de subsídio de desemprego e as profecias terroristas de Passos Coelho sobre pensões de reforma reduzidas a metade dentro de dez anos.
Mas – o que tem a redução do défice a ver com tudo o resto? Em que é que o défice se torna mais pequeno por os trabalhadores do sector privado trabalharem gratuitamente para os seus patrões mais meia hora por dia? Ou mais quinze dias por ano? O que tem o défice a ver com o fim das majorações de férias por assiduidade ou com a abolição dos feriados? E o que tem o défice a ver com a redução das indemnizações por despedimento a um terço, ou menos, do seu valor anterior?
Roubar os trabalhadores para meter o produto do roubo no bolso do Estado, pode reduzir o défice. Mas roubá-los para meter o produto no bolso dos patrões, já não tem nada a ver. E, no entanto, o Governo não mente completamente quando amalgama todos esses roubos e a todos justifica com um só imperativo político. Porque o seu imperativo político é esmagar a classe trabalhadora e impor-lhe um regime de autêntica escravatura.
A crise e o défice têm as costas largas. Mas, nos Estados Unidos, onde os nossos governantes aprenderam a sua charlatanice, fala-se uma linguagem mais franca. Assim, o bilionário Warren Buffett redescobriu a luta de classes, afirmando: “Há uma luta de classes, claro. Mas é a minha classe, a classe dos ricos, que está a fazê-la. E estamos a ganhar”.
É verdade. A luta de classes não são apenas manifestações sindicais, piquetes de greve e barricadas. A luta de classes não é feita apenas pela classe trabalhadora, mas também pelo patronato e pelos seus governos. As barricadas desta gente são os seus think tanks, de inesgotável imaginação quando se trata de roubar salários, as suas secretarias, de uma eficiência para executar os roubos sempre agradecida no início de cada discurso, e, finalmente, as suas polícias quando o caso se torna mais sério.
Um Governo que paga sem pestanejar os buracos do BPN e da Madeira, mas que se lança avidamente sobre os “interesses instalados” de pensionistas com 300 euros mensais – é um governo da barricada patronal. Mas falta-lhe a visão mais complexa e realista dos seus gurus norte-americanos. É que o mesmo Warren Buffett, tão lúcido a reconhecer a “luta de classes dos ricos”, também tem a cautela de propor o tal imposto sobre as grandes fortunas. Porque Buffett deve ter aprendido alguma coisa com a história e sabe que quem vai à guerra de classes, como a todas as guerras – dá e leva.
Comentários dos leitores
•Raul Alves 3/1/2012, 20:27
Esses politicos, asssim não dá ou muda ou o mundo os mudará.
Raul Alves
http://raulalvess.blogspot.com/2011/09/mudar-de-vida-agora-voce-consegue.html