Notas para uma crítica do sindicalismo
António Poeiras — 16 Dezembro 2011
1. A globalização, de velas enfunadas pelos ventos de Chicago e a ajuda à navegação da esquerda, sobretudo da esquerda social-democrata, completamente rendida aos cantos de sereia do capitalismo liberal, esvaziou a capacidade de acção dos sindicatos, os quais, por via do trabalho precário (recibos verdes, contratos a um mês…) têm cada dia menos membros e, por conseguinte, menos influência na definição das políticas sociais.
2. Outra contribuição importante para a inoperacionalidade dos sindicatos é o facto de permanecerem prisioneiros de direcções partidárias incapazes de acertarem o passo com as exigências da actualidade e cuja estratégia se reduz à colecção de umas migalhas de poder.
3. Metidos em tal espartilho, não conseguem ir além de processos negociais maioritariamente condenados ao fracasso e de umas quantas manifestações/catarse, pondo-se demasiadas vezes na pele de polícias do capital e caminhando rapidamente para a redundância.
4. Portanto, ou mudam de estratégia ou desaparecem, sendo que, para aumentarem a sua utilidade e influência devem começar por encarar de frente as necessidades teóricas e práticas do movimento revolucionário dos nossos dias.
5. A primeira verdade que se torna necessário enfrentar é o facto de, no quadro do capitalismo, mais ou menos humanizado, o aumento do desemprego e o desmantelamento do estado social serem irreversíveis: há excesso de produção e a produtividade só já pode crescer pela redução do valor do trabalho incorporado nas mercadorias e pelo desemprego.
6. A segunda verdade, e ela explica em parte a ausência de estratégia dos partidos da esquerda, é que a simples apropriação dos meios de produção e o controlo do aparelho do Estado não garantem a liberdade política nem a justiça social; e não são via para o comunismo.
7. A terceira verdade que importa enfrentar é a afirmação do carácter exclusivo do sistema dos partidos em qualquer das suas modalidades.
8. Uma quarta verdade é a assumpção de que o cerne da crítica do capitalismo não é a propaganda associada à demagogia do pleno emprego mas a crítica do trabalho abstracto, do valor e do feiticismo da mercadoria.
9. É possível a partir daqui iniciar o esboço das modalidades de acção de um sindicalismo revolucionário, o qual deverá favorecer duas vertentes fundamentais: a protecção dos trabalhadores empregados e a participação no lançamento das bases da organização política e económica do futuro.
10. A primeira destas vertentes terá um sindicalismo muito próximo do actual, agindo sobretudo na negociação das condições de exercício do trabalho por parte dos trabalhadores por conta de outrem; a segunda exige alterações importantes na actividade tradicional do sindicato, orientando-se para tarefas práticas de organização de unidades de distribuição dos bens disponíveis (inclusive do poder) capazes de se constituírem em elementos de produção de uma força constituinte.
11. Isso implica a utilização das capacidades técnica e burocrática dos sindicatos na ajuda à organização, por parte dos desempregados e dos movimentos sociais, de redes de produção e distribuição autogeridas e colocadas fora da lógica do mercado capitalista, onde tudo deve ser reduzido à forma dinheiro.
12. Considerar as necessidades dos indivíduos enquanto consumidores (coisa comum a todos) e não enquanto produtores: organização da produção conforme a necessidade de consumo dos indivíduos e não a promoção do consumo por necessidade da produção.
13. Abandonar práticas centralistas, libertar-se do jugo dos partidos e aceitar formas de relação horizontais com todas as organizações do movimento social revolucionário.
14. A força posta na segunda vertente reforçará exponencialmente a capacidade de agir na primeira, garantindo maior eficácia em qualquer negociação.
15. Mesmo a capacidade de os trabalhadores assumirem uma batalha sabendo da existência de alternativas na retaguarda é seguramente superior.
16. Finalmente, gostaria que este texto não fosse visto como um manifesto acabado mas como ponto de partida para uma discussão alargada a todos, envolvendo as necessidades gerais de uma estratégia inclusiva, não dogmática e anti-autoritária.
Nota: os textos da autoria de colaboradores não expressam necessariamente o ponto de vista da redacção.
Comentários dos leitores
•Antonio M. Esperança 22/12/2011, 16:02
Criemos uma corrente sindical de classe revolucionária.
Mas segura pela teoria revolucionária e não ad hoc. Para isso há que discutir bem, aprovar e depois por em prática.
Bom trabalho, nesse sentido