Greve geral: um salto em frente ou apenas mais uma?

Manuel Raposo — 4 Novembro 2011

greve-geral24nov.jpgNo final de uma reunião do CC do PCP (16 de Outubro), Jerónimo de Sousa afirmou a necessidade de os trabalhadores responderem às medidas do governo com uma “forma superior de luta” e apontou a realização de uma greve geral. Inteiramente de acordo. Mas, como nos últimos anos não têm faltado lutas, manifestações, greves e mesmo greves gerais – sem que isso tenha feito recuar o ataque patronal – tem de se colocar esta pergunta: uma greve geral para exigir o quê? Será isto que decidirá se a greve geral marcada para 24 de Novembro vai ser de facto uma forma superior de luta – concretamente, situar-se um degrau acima das lutas até agora levadas a cabo – ou vai ser apenas mais uma.

Adiantamos a nossa convicção. Será uma forma superior de luta se os trabalhadores agarrarem a ideia de que ao ataque do capitalismo têm de responder com exigências contra o capitalismo. Se ao ataque de classe da burguesia responderem com um contra-ataque de classe enquanto assalariados. E se com essa sua disposição de classe conseguirem criar uma corrente de luta capaz de arrastar consigo os demais sectores sociais atingidos pela crise e pelas medidas do poder.
Ora, é justamente isto que não ressalta nem da declaração de Jerónimo de Sousa nem do comunicado divulgado pelo CC do PCP.

No eixo da luta

O comunicado não poupa palavras ao descrever a situação resultante do acordo com a troika e do Orçamento do Estado: brutal ofensiva, aumento da exploração, pacto de agressão, agravamento das assimetrias, retrocesso do regime democrático, ajuste de contas com a Revolução de Abril, declaração de guerra aos trabalhadores. Não falta mesmo a afirmação de que se está perante um “aprofundamento da crise estrutural do capitalismo”, nem a denúncia da “natureza de classe das medidas” contidas no OE.

Diante destes factos, é pacífico que tem de haver da parte dos trabalhadores uma “rejeição do pacto de agressão”, que é imperioso fazer uma “ruptura com as políticas” em curso, que importa derrotar “todas e cada uma das medidas do governo”, como é dito. A pergunta que se põe é a de saber quem deve estar à cabeça da luta e quais as reclamações que devem ser colocadas no eixo dessa rejeição e dessa ruptura para dar à resistência de massas estrutura e sentido.

Amplitude e política de classe

É aí que o comunicado do PCP dá um passo ao lado. À natureza de classe do ataque por parte da burguesia, referido linhas atrás, o PCP responde colocando a resistência de massas a esse ataque no plano vago do “imperativo nacional” e do “objectivo patriótico”, que resume na fórmula de “uma política patriótica e de esquerda”. A ideia, certamente, é a de fazer apelo a forças mais numerosas, como as camadas antimonopolistas (capitalistas, é bom não esquecer) que são repetidamente referidas. Mas isso, a nosso ver, não reforça o campo da luta, porque dissolve num suposto campo nacional e patriótico a natureza de classe da resposta que é preciso dar.

O PCP parte da posição (a nosso ver ilusória) de que há, especialmente no quadro criado pela crise, interesses coincidentes ou convergentes (antimonopolistas, patrióticos, designadamente) entre vastas camadas da população – e faz assentar aí o seu apelo à criação de uma corrente de resistência. Mas é o contrário que é verdade: só a afirmação de uma linha anticapitalista na luta social é que pode congregar parte das forças sociais intermédias, mesmo se os seus interesses não coincidem com os dos trabalhadores.

Não é verdade, por exemplo, que os pequenos patrões, uma parte importante da pequena burguesia, tendam a fazer corpo numa política contra a troika e o OE pelo facto de estarem a ser arruinados nesta crise. Não é isso que se vê: a sua posição de fundo é igualmente tentar safar-se da crise à custa dos trabalhadores. O ataque ao trabalho não está a ser desencadeado apenas pelo capital monopolista ou pela finança, como se pode avaliar pelas posições trogloditas das diferentes confederações patronais (representando grandes e pequenos patrões) a respeito dos salários, dos horários de trabalho e de toda a legislação laboral.

O núcleo duro da resistência

Se a crise põe “a nu a principal contradição do capitalismo – entre o carácter social da produção e a sua apropriação privada”, como afirma o PCP, então não há outra via política para enfrentar a crise que não seja uma via de combate explícito ao sistema capitalista – de exigências que firam os interesses capitalistas.

E se as medidas do governo traduzem “uma opção de classe” e representam “uma declaração de guerra aos trabalhadores”, como também é dito, então a rejeição do pacto, antes de ser um imperativo nacional, é um imperativo anticapitalista a assumir pelas classes naturalmente anticapitalistas: o operariado e os trabalhadores assalariados, as primeiras e principais vítimas da crise do sistema e das medidas do poder.

Serão, portanto, os objectivos de classe dos trabalhadores, afirmados abertamente como os seus interesses próprios, que podem formar o núcleo duro da resistência à agressão do capital. Contra a “natureza de classe” do ataque da burguesia há que pôr em marcha uma resposta de classe da parte dos trabalhadores. Este é o factor primordial para dar um rumo anticapitalista à luta de massas.


Comentários dos leitores

J.M.Luz 8/11/2011, 22:59

Claro que a direcção do PCP é obrigada a intervir e a denunciar as ofensivas capitalistas do governo, e apelar a formas de "luta superiores" como a Greve Geral. Mas depois propõe como saída a "renegociação" da divida; uma maior "equidade" na repartição dos sacrificios; e um programa "Por um Portugal a produzir!" onde constam entre outras as seguintes medidas: o "aumento da produção"; o apoio aos "pequenos e médios empesários" e às "empresas exportadoras; contra a crise pelo "desenvolvimento da economia" e do "mercado interno"; exigir uma "taxa extraordinária" apenas para os capitalistas que ultrapassem os 50 milhões de euros de lucro anual. Pergunta-se: estará mesmo a direcção do PCP (e o mesmo se coloca em relação ao BE) disposta a combater a actual ofensiva capitalista, ou pretende minimizá-la procurando suavizar as medidas de austeridade para evitar as "gravissimas convulsões sociais" que daí possam decorrer?
Quanto ao "Governo de Esquerda e Patriótico" que defendem há décadas, e como refere o texto, trata-se de uma perspectiva "anti-monopolista" completamente contraditória com o "carácter social da produção e a sua apropriação privada" que referem. Mas outras há como, por exemplo, afirmarem que o capitalismo "atingiu os seus limites" e depois proporem o desenvolvimento do mesmo, como provo através das propostas acima mencionadas. Ou seja, o oportunismo sempre teve necessidade de se encobrir com algumas tiradas marxistas para se mantêr e cumprir até ao fim a sua missão contra-revolucionária.
Assim e para um maior desmascaramento da sua intervenção teórica e prática burguesa e oportunista, cabe aos revolucionários não só fazer-lhes a crítica demolidora, mas ao mesmo tempo criar esse tal "Núcleo Duro", que há muito já devia de existir, para que seja capaz de organizar e dirigir as forças revolucionárias proletárias e as massas para a resistência que é necessário e urgente fazer á ofensiva capitalista/imperialista da burguesia nacional e europeia.
Assim sugeria que se avançasse com encontros e se discutisse:
1º-A situação económica, política e social e as consequências que daí decorrem para o proletariado, os jovens e os pensionistas pobres.
2º Discutir a possibilidade de fazer EMERGIR o tal "Nucleo Duro" em torno de um programa revolucionário.
Um Abraço

J.M.Luz 8/11/2011, 23:03

Quando se diz "fazer emergir o tal Núcleo Duro em de um programa" deve se lêr em torno de um programa.

fernando 9/11/2011, 23:14

De acordo no geral com a análise. Agora, acho também que neste momento as classes trabalhadoras não estão nem politizadas, nem ganhas para uma luta com objectivos tão nobres como o descrito. Quantos trabalhadores sabem quem é Karl Marx ou Lenine e a sua obra? Não será mais importante canalizarmos a nossa força e energia precisamente para uma politização aos níveis do 25 de Abril 74? Nesse sentido, a greve geral, se for bem aproveitada e de aderência massiva, poderá ser um ponto de partida para esse trabalho. A revolução tem de ser feita por etapas e penso que temos de partir do zero. Por outro lado, se esse trabalho for só feito em Portugal não estará dedicado ao insusesso? Não terá de ser um trabalho europeu e mundial, não será um erro considerar o movimento dos indignados como burguês? Não será uma ocasião óptima para um trabalho a nível mundial na politização das classes trabalhadoras dentro desse movimento? E ainda, o conceito do que é hoje em dia um burguês não terá de ser alterado? Os pequenos comerciantes não são também chacinados pelo capitalismo liberal selvagem? E ainda, não será importantíssimo, para quem tem consciência da situação, alertar e preparar a resistência contra o fascismo alemão que está de volta, desta vez não com armas mas com o poderio económico, impondo o seu sistema capitalista liberal selvagem aos povos europeus, com a coincidência de o governo francês se ter rendido e aliado ao poderio alemão? E desta vez a situação é mais grave porque têm o apoio declarado e incondicional do capitalismo mundial. Será que as classes trabalhadoras estão prontas para esta luta? Eu acho que não, é por isso que eu digo: temos de partir do zero dar dois passos atrás para depois podermos dar 3 em frente. E só com a união de todos os revolucionários europeus, para já, e depois mundiais, poderemos vencer estas batalhas que se avizinham.

afonsomanuelgonçalves 11/11/2011, 20:08

Como todas as greves gerais anteriores, esta é apenas mais uma a juntar a tantas outras que não provocaram qualquer resultado favorável aos protestos que lhes estavam subjacentes. Pensar, como considerava erradamente Sartre, que a luta anticapitalista não se podia fazer com o PC nem contra o PC, constitui ainda para muitos intelectuais à esquerda do PCP o mesmo aforismo que não tem qualquer validade política, e considerar ainda que o problema reside sobretudo no atraso de consciência política das classes trabalhadoras, é manifestamente uma posição redutora que acompanha o propósito político das ambiguidades e oportunismos que o revisionismo desde sempre tem alimentado na sua inconsistente ideologia.
Os trabalhadores encontram-se, deste modo, perante uma aporia que só poderá ser ultrapassada com a dissolução do estado actual do oportunismo político que impera no próprio seio das classes trabalhadoras.

António alvão 12/11/2011, 0:28

De que serve os trabalhadores saber quem é Marx ou Lenine? O PC chinês, no poder há tantos anos, não sabe quem é Marx e Lenine? Os partidos marxistas/leninistas no poder tantos anos nos países de Leste, não sabiam quem era Marx e Lenine? A liberdade de expressão, de associação, a critica; a insubmissão, o socialismo e o comunismo, onde é que param?
Na minha opinião, os trabalhadores precisam é de não deixar-se dirigir pela classe poliítica, mesmo marxista/leninista. Uma vez no poder sabe-se o que acontece aos trabalhadores e não só...!
A liberdade sem socialismo é a injustiça e o privilégio; o socialismo sem liberdade é a ditadura e a brutalidade! (...)

António Marão 9/12/2011, 12:07

Amigo Alvão, então e a sustentação do socialismo até à sociedade sem classes, far-se-ia como? Sem ditadura sobre os exploradores abatidos do poder? Não há liberdade genérica, nesta fase histórica. Este problema é o da compreensão ou não do marxismo - ou da revisão do mesmo... Já está fora da ordem do dia e mais que assente, dentro da discussão entre revolucionários anti-capitalistas, penso eu.

António alvão 28/12/2011, 19:35

Caro Marão, muito obrigado pela lição de marxismo. Esta, e outras lições que tenho lido e ouvido, ainda me vou tornar num grande dirigente do proletariado? E se o meu nível de doutrina marxista for elevado, corro o risco de me tornar ditador, por minha opção e dos trabalhadores mais ingénuos, para, assim, suprimir a tal liberdade genérica! E depois quando morrer terei o povo a chorar-me pela grande obra deixada!!! Serei assim o vosso paizinho? Espero que não me derrubem as estátuas quando morrer! Certo?


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