A operação líbia e a crise do imperialismo
Manuel Raposo — 23 Setembro 2011
Sarkozy e Cameron foram há dias a Bengazi festejar a vitória da operação militar contra a Líbia. Repetiram a vanglória de Bush quando, no convés de um porta-aviões, deu por finda a guerra no Iraque, corria Maio de 2003. Repetiram também a promessa de ajudar a caçar Muamar Khadafi, tal como Bush fizera a respeito de Saddam Hussein. Afinal, no Iraque, as coisas apenas tinham começado; e o assassinato de Saddam nada resolveu. Também na Líbia, seja qual for a evolução imediata dos acontecimentos, as coisas não vão ficar como parecem estar agora.
Os principais carrascos da Líbia foram recebidos como heróis e salvadores pelo chamado Conselho Nacional de Transição, um bando diversificado de agentes de vários interesses externos. Isso mostra bem a falsa independência e a falsa liberdade que os bombardeamentos da NATO levaram à Líbia. E dá conta da dominação imperialista, directa e presencial, que a União Europeia ali vai exercer a partir de agora. Não por acaso, fala-se já que qualquer coisa como 35% do petróleo líbio estará atribuído à França.
Da mesma maneira que os EUA visaram apoderar-se dos recursos petrolíferos do Iraque como forma de ganharem pontos na sua competição com as demais potências imperialistas (a União Europeia e o Japão, nomeadamente), também agora a operação militar contra a Líbia – com o olho nas suas jazidas de petróleo e de gás – vale para as principais potências europeias como meio de tentar aliviar a tremenda crise do seu capitalismo.
Esta é mais uma demonstração, agora com novos protagonistas, de que a guerra se vai tornando o argumento principal e o método praticamente exclusivo do imperialismo. Os argumentos “económicos”, debilitados pela decadência do capitalismo das potencias ocidentais, são substituídos pela força bruta – no caso, aplicada pelas estruturas da NATO.
Uma base para a contra-revolução
A guerra contra a Líbia, teve ainda um outro motivo de primeiro plano para as potências imperialistas, e que vai ter certamente consequências nos próximos tempos. No interesse do imperialismo, as revoltas populares nos países árabes tinham de ser contrariadas por uma contra-revolução em forma, sob pena de o imperialismo perder o pé numa das zonas do mundo mais importantes para o seu poderio.
O apoio sem condições, e mesmo entusiástico, aos chamados “rebeldes” líbios não teve outro fim, do ponto de vista dos EUA e da UE, que não fosse o de derrubar um regime de fidelidade duvidosa e, sobretudo, o de criar uma plataforma de ataque a qualquer verdadeiro levantamento popular que, em qualquer ponto da região, venha a pôr em risco o domínio imperialista. Veremos a confirmação disto mesmo pelas relações que o novo regime líbio vier a manter com a NATO e pelas facilidades que conceder às acções militares da Aliança Atlântica.
Vacilação e retrocesso
A crise do capitalismo mundial (não só estritamente económica, mas também política, moral, cultural e tudo o mais) e a brutalidade que lhe está associada têm outro efeito que se manifesta de modo particular na população dos países imperialistas – a vacilação política das suas classes médias e baixas, atingidas pela degradação das condições de vida e chantageadas com as campanhas “antiterroristas”. É assim, cremos, que tem de ser lido o alheamento das massas europeias (e também norte-americanas) a respeito da agressão à Líbia – facto que representou um retrocesso evidente em relação ao que sucedeu nas vésperas da invasão do Iraque.
Mesmo em sectores da esquerda, o alinhamento com o imperialismo europeu e norte-americano foi desta vez, nalguns casos, aberto. Por cá, a vergonhosa posição do grupo parlamentar europeu do BE de apoio às sanções contra a Líbia, e o silêncio da sua direcção diante do facto, não podem ser classificados senão como um apoio à agressão. Justamente no momento e no lugar em que seria de levantar a voz contra a prepotência do capitalismo europeu, o que se viu foi um dobrar de joelhos diante da maior demonstração de barbárie imperialista: a agressão militar.
Numa outra cambiante, houve quem achasse menos mau o ataque da NATO a pretexto de correr com o ditador. E, noutro plano, houve ainda quem procurasse, salomonicamente, dividir a contenda a meio: nem Khadafi, nem NATO.
Não só esqueceram que o argumento de derrubar o ditador já tinha sido usado para justificar a agressão ao Iraque, como não perceberam que aquilo que estava a jogar-se na Líbia não era a liberdade e a democracia contra um regime de ditadura – mas, tão só, o domínio pleno do imperialismo europeu e norte-americano contra o escolho que, apesar de tudo, o regime de Khadafi para eles representava.
Por isso, tentar frustrar a agressão e todas as tentativas de domínio imperialista era a única posição política ajustada às circunstâncias.
Um alerta
Do nosso ponto de vista, a posição vale também para o que está a desenrolar-se a respeito da Síria. Um regime não amigo do imperialismo e um território colocado estrategicamente à beira de Israel são os ingredientes que levam, de novo, os EUA e a União Europeia a mobilizar forças para uma intervenção externa.
Embora em graus distintos, não deixa de haver um paralelo entre a forma como, na corrente crise, as potências europeias dominantes exploram e amesquinham, cá dentro, os países periféricos deles dependentes (como a Grécia, Portugal, ou a Espanha) – e a forma como, na sua segunda periferia, lançam tropas para se apoderar de recursos e calar os recalcitrantes.
Importa por isso alertar as populações trabalhadoras europeias para a necessidade de se oporem por todos os meios à política de agressão do “seu” imperialismo e fazer corpo com os povos que dele são vítimas – porque estes é que são os nossos aliados.
Comentários dos leitores
•afonsomanuelgonçalves 24/9/2011, 12:34
Poder-se-á dizer que o imperialismo está em crise, perante esta ofensiva relativamente triunfal que neste momento atravessa no Médio Oriente?
E ainda se deve acrescentar a total incapacidade das correntes de esquerda oficiais ou marginais que na Europa e não só, revelam-se sem ideologia e sem tática para fazer fente à propaganda imperialista.
Dotadas de uma mediocridade intelectual inacreditável, sobeja-lhes tempo para escrevinhar alguns panfletos inúteis que a população se encarrega de colocar no cesto dos papéis.
•António alvão 25/9/2011, 22:47
Não à NATO, não a Sarkozy, não a ditadores e seus simpatizantes, não à democracia-ditadura do capitalismo, não ao militarismo (o homem acaba onde o tropa começa (...) )
Alertemos os trabalhadores de todo o Mundo a lutar contra o capitalismo e contra todos os «seus» pretensos representantes, fora e dentro dos parlamentos.
Destruamos todas as instituições da desigualdade!!!