A Primavera dos povos do Sul e o Outono do capitalismo

Samir Amin / MV — 7 Julho 2011

mulheresegipcias.jpgMao tinha razão quando afirmou que o capitalismo (aquele que realmente existe, isto é, o imperialismo) nada tinha a oferecer aos três continentes (a periferia constituída pela Ásia, a África e a América Latina – essa « minoria » que reúne 85% da população do Planeta!) e que portanto o Sul constituía a “zona das tempestades”, quer dizer das revoltas repetidas, potencialmente (mas só potencialmente) portadoras de avanços revolucionários em direcção à ultrapassagem socialista do capitalismo.

A “Primavera árabe” inscreve-se nesta realidade. Trata-se de revoltas sociais potencialmente portadoras de alternativas, que podem a longo prazo inscrever-se na perspectiva socialista. Esta é a razão pela qual o sistema capitalista, o capital dos monopólios dominantes à escala mundial, não pode tolerar o desenvolvimento destes movimentos. Contra eles, mobilizará todos os meios de desestabilização possíveis, pressões económicas e financeiras, até à ameaça militar. Apoiará, segundo as circunstâncias, quer falsas alternativas fascistas ou fascizantes, quer a instalação de ditaduras militares. Não se pode acreditar uma palavra do que diz Obama. Obama é Bush mas com outra linguagem. Há uma duplicidade permanente na linguagem dos dirigentes da tríade imperialista (EUA, Europa ocidental, Japão).

As “primaveras” dos povos árabes, como as que os povos da América Latina conhecem há duas décadas, a que eu chamo a segunda vaga do despertar dos povos do Sul – a primeira desenvolveu-se no século XX até à contra-ofensiva do capitalismo-imperialismo neoliberal – reveste formas diversas, que vão desde as explosões dirigidas contra as autocracias que acompanharam precisamente o desenvolvimento neoliberal até ao colocar em causa da ordem internacional pelos “países emergentes”. Estas primaveras coincidem portanto com o “Outono do capitalismo”, o declínio do capitalismo dos monopólios generalizados, mundializados e financiarizados. Os movimentos partem, como os do século precedente, da reconquista da independência dos povos e dos Estados das periferias do sistema, retomando a iniciativa na transformação do mundo. São, portanto, antes de mais, movimentos anti-imperialistas e, portanto também, só potencialmente anticapitalistas.

Se estes movimentos conseguirem convergir com o outro despertar necessário, o dos trabalhadores dos centros imperialistas, poderá desenhar-se uma perspectiva autenticamente socialista à escala de toda a humanidade. Mas isto não está de maneira nenhuma inscrito à partida como uma “necessidade histórica”. O declínio do capitalismo pode abrir a via à longa transição para o socialismo, como pode envolver a humanidade na via da barbárie generalizada.

O projecto de controlo militar do Planeta pelas forças armadas dos EUA e dos seus subalternos da NATO, que está em curso, o declínio da democracia nos países do centro imperialista, a recusa passadista da democracia nos países do Sul em revolta (que toma a forma de ilusões para-religiosas “fundamentalistas” que os Islão, Hinduísmo e Budismo políticos propõem) operam em conjunto nessa perspectiva abominável. A luta pela democratização laica toma então uma dimensão decisiva no momento actual que opõe a perspectiva duma emancipação dos povos à da barbárie generalizada.

(Extracto do artigo de Samir Amin 2011: le printemps arabe? Ver aqui versão integral em francês )


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