Crónica de um estoiro anunciado

António Louçã — 29 Junho 2011

divida.jpgQuantos pacotes já houve, e cada um deles era o último? À conta do Governo anterior, foram quatro. Caiu e deixou-nos um memorando. O novo Governo acha que é pouco e tem de fazer mais do que lá está prometido.
Fazer mais significa, neste caso: mais privatizações, mais despedimentos, mais impostos. Por outras palavras, sem lhe chamar pacote, já tem outro na forja. Com o caso grego diante dos olhos, já nem se dá ao trabalho de dizer que este pacote é o último e soluciona o problema. Cá como lá, o buraco não tem fundo.

Podem as privatizações tapar o buraco? Podem, quando muito, pôr um remendo: no dia, na hora, no minuto, de encaixar o dinheiro de venda da TAP, da Águas de Portugal, dos CTT, as contas do Estado parecerão um pouco mais folgadas. Mas, como só se vende o que dá lucro, e só se privatizam as empresas prósperas, no ano seguinte o Estado terá menos uma fonte de receitas e a mola do endividamento estará mais forte.

Dir-se-á que isto é muito simplista, porque o Estado com mais dinheiro nos cofres consegue financiar-se com mais facilidade nos famosos “mercados”. Grande coisa: ganhará, talvez, grão a grão, uns pontinhos percentuais, desses que tem andado a perder às dúzias nos últimos meses.

Lembremos que Teixeira dos Santos falava ainda neste ano dos 7% como fasquia altíssima para pedir a ajuda do FMI. Confiava então que ela nunca seria atingida. Na altura foi o que se viu. Agora já ouvimos falar em juros de 15%. A queda prossegue, imparável.

Quando “os mercados” sobem o juro para compensarem um risco cada vez mais elevado, qualquer leigo percebe que o próprio encarecimento do dinheiro aumenta a probabilidade do estoiro. O efeito reage sobre a causa: quando sobe o preço do risco, essa subida agrava o próprio risco. “Os mercados” sabem-no muito bem: mas a sua lógica é a do salve-se quem puder e não podem deixar de empurrar o mundo para o abismo.

Será esta uma queda de dois ou três países, os chamados PIGS, vítimas da especulação de um capital sem pátria? Esses vão primeiro, mas não vale a pena assumirem o papel de coitadinhos, nem responderem-lhe com uma retórica patrioteira. A crise é internacional. A resposta dos trabalhadores só pode ser internacional.


Comentários dos leitores

afonsomanuelgonçalves 1/7/2011, 9:52

Quando um país não encontra através dos seus cidadãos capacidade e espírito de combatente para vencer os obstáculos pequenos ou grandes que tem pela frente recorre ao velho argumento que isso só é possívell com a participação do resto do mundo, dado que as dificuldades são as mesmas e comungadas por todos. Uma velha táctica que nunca na História e muito menos na Economia foi exequível. E agora ainda muito menos, dado que o desenvolvimento desigual na sua forma mais distinta tem que recorrer a soluções também mais diferenciadas de país para país.
Como se sabe, esta argumentação ideológica tem muitos anos e muitos cadáveres pseudo- iluminados que a defenderam na "altura" como a única via capaz de definitivamente arrumar a questão. O que é certo,é que, nem a arrumaram e como sempre só complicaram as coisas de modo que fosse tudo por água abaixo. Tiveram que esperar pacientemente muitos anos para realizarem essse sonho, mas de tanto dormirem acabaram por acordar com o cérebro paralizado.
Neste momento encontra-se em coma profundo com diagnóstico muito reservado.


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