Primeiras impressões
Duas ou três notas sobre a “mudança” de que por aí se fala
Manuel Raposo — 8 Junho 2011
Passos Coelho não perdeu tempo: mal soube que ganhara as eleições, tratou de vincar, para quem o quisesse ouvir dentro e fora do país, que se comprometia a impor, não só os “sacrifícios” previstos pelo acordo firmado com a troika, como a “ir ainda mais além”. Entende-se o significado desta declaração de intenções: fazer sentir aos “mercados internacionais” e a todo o patronato nacional que o próximo governo está disponível para todas as medidas de penalização do Trabalho, as que já estão estipuladas e as que aí vierem.
No que toca aos “mercados”, o poder de persuasão de Passos não foi muito grande, a avaliar pelas reacções: os juros das Obrigações do Tesouro permaneceram, imperturbáveis, nos níveis ruinosos de 10-11% em que têm andado, e a bolsa de Lisboa continuou em queda. Bons pretextos, portanto, para “ir mais além”.
Mas, quanto ao patronato nacional, não podia haver maior consonância com as palavras de Passos Coelho. Dando voz à generalidade dos patrões, o presidente da CIP insistiu na tecla dos “três anos duros” que aí vêm, e disse que vê num governo bipartidário “uma base para promovermos as reformas que se impõem”.
Portas, o moderado
Na própria noite da vitória eleitoral da parelha PSD-CDS, Paulo Portas foi o rosto da moderação e da magnanimidade para com o vencido Partido Socialista. Ele próprio explicou porque é que não se deve hostilizar o PS: “precisamos dele” para obter as maiorias parlamentares qualificadas, designadamente os dois terços para a revisão constitucional.
Precisam dele também, acrescentamos nós, para ajudar a convencer os trabalhadores a suportarem os efeitos calamitosos do acordo com a troika e a obterem o grau de “paz social” que convém ao patronato. Tem Portas inteira razão na sua expectativa, pelo que a seguir se mostra.
O PS “na oposição”
Ainda a contagem dos votos não tinha terminado, a TSF perguntou à ministra do Trabalho, Helena André, se o PS na oposição significaria mais protestos nas ruas. Resposta imediata: “Isso seria catastrófico”, acrescentando que tudo vai depender da capacidade do novo governo para promover a “concertação social”.
O papel do PS no governo foi o de destroçar, quanto pôde, as defesas dos trabalhadores, pavimentando o caminho para um governo declaradamente de direita; o seu papel na oposição, pelas palavras de Helena André, será agora o de ajudar esse governo de direita a cumprir o acordo firmado com a troika (esse sim catastrófico para quem vive de salário) travando os, mais que legítimos, protestos dos trabalhadores. Estamos elucidados.
Para compor este quadro com uma tirada “ideológica”, o ministro Luís Amado defendeu, dois dias depois das eleições, a tese de que a economia portuguesa precisa de “um choque liberal” e ninguém melhor para o fazer do que um governo “liberal-conservador” (linguagem dele), como o que vai ser formado por Passos e Portas. Amado, que durante a campanha eleitoral dissera que as alianças do PS, se ganhasse, seriam com a direita, confirma o que se tornou óbvio: a governação do PS não fez outra coisa senão preparar o caminho para que um governo ainda mais à direita tomasse o lugar do de Sócrates – o que aconteceria com o PS ou sem o PS.
Que se ponha a pau o secretário-geral da UGT, João Proença, que, no quente dos acontecimentos, disse não aceitar medidas de “desregulação social” e deu como inevitável o “aumento da contestação social” se os direitos dos trabalhadores forem postos em causa. “Se” forem postos em causa?! Digam rapidamente a João Proença que o acordo com a troika, assinado pelo seu partido, visa precisamente a “desregulação” e o ataque aos direitos dos trabalhadores.
Urgência! Urgência!
Cavaco não deixa créditos por mãos alheias: quer que se saiba que mete a mão no próximo governo. Muito antes de a Comissão Nacional de Eleições publicar os resultados oficiais (que formalmente deveria ser o ponto de partida para os demais actos políticos) convida Passos Coelho para formar governo e dá-lhe prazo curto. Aponta a “conveniência” de ser o novo executivo a estar presente na cimeira de Bruxelas, dias 23 e 24, metendo-se claramente na esfera governativa. Entra assim na correria que a direita está a impulsionar com pretexto na urgência de aplicar as medidas impostas pela troika.
Um dos primeiros alvos dessa urgência é tornear a discussão sobre a inconstitucionalidade de diversas daquelas medidas, ou remetê-la para depois de serem postas em prática – violando descaradamente os ainda vigentes preceitos constitucionais que as contrariam, por exemplo, sobre justa causa nos despedimentos, gratuitidade do Serviço Nacional de Saúde e outros.
Para todos estes figurões, a “lei fundamental” deixa de o ser logo que sintam força para a espezinhar. É o que se vai dar com o argumento da urgência. Depois, quando os factos estiverem consumados, talvez formalizem a necessária revisão apelando então ao sentido patriótico e construtivo do PS para terem os tais dois terços na Assembleia.
Comentários dos leitores
•António Poeiras 8/6/2011, 15:53
E o Assis, logo na noite das eleições, não afirmou que o PS honraria o seu passado recente?
As seitas (dos aventais, dos círios e os bilderbergues) estão finalmente todas de acordo.
Os bloquistas já encontraram uma nova estratégia: mostrar-se (dizem eles) disponível para governar não é suficiente, é preciso obrigar o PS a adoptar medidas de esquerda, eh, eh, eh... não sei se é ingenuidade, se estupidez, mas com tantos doutores só pode ser estupidez!!
Faz-me lembrar os trotsquistas do PREC: por um governo do PS e do PC sem capitalistas nem generais... em pleno PREC. eh, eh, eh,
As percentagens reais dos 5 partidos parlamentares são as seguintes, mais décima menos décima:
PSD: 22,75; PS: 16,52; CDS: 6,91; CDU: 4,67; BE: 3,05;
ou seja, TODOS juntos perfazem 53,9%.
O governo terá uma base de apoio de 29,66%. Pode ser legal, mas quanto a legitimidade, estamos conversados...
•António Poeiras 8/6/2011, 15:56
Já agora, a revisão constitucional (ou o golpe de estado institucional, como preferirem) será feita com um apoio de 46,18% dos votantes inscritos: nem metade, quanto mais dois terços...