Um embaixador diligente e um governo sabujo

Pedro Goulart — 15 Março 2011

xadrez.jpgDocumentos da WikiLeaks sobre o Ministério da Defesa e o governo português, recentemente divulgados pelo jornal Expresso, apesar da sua utilidade, devem ser encarados com um olhar crítico. Na correspondência dos embaixadores dos EUA há que distinguir aquilo que tem algum fundo de verdade daquilo que é ditado pelos interesses próprios dos embaixadores ou pela defesa dos negócios daquela potência imperialista.
Thomas Stephenson, embaixador dos EUA em Lisboa, entre Novembro de 2007 e Junho de 2009, critica o Ministério da Defesa não por fazer gastos com o militarismo e a guerra mas, essencialmente, por estar a preterir as compras militares aos EUA em favor das compras europeias.

Igualmente, deprecia os militares portugueses, em parte por não corresponderem de modo suficiente às solicitações dos norte-americanos.

Por outro lado, é de destacar a existência de vários telegramas de Lisboa para Washington, que evidenciam a habitual colaboração de gente responsável do aparelho de estado português com a Embaixada dos EUA. Numa suja e subserviente cumplicidade.

Stephenson escreveu em 5 de Março de 2009, num telegrama para Washington, que “no que diz respeito a contratos de compras militares, as vontades e acções do Ministério da Defesa parecem ser guiadas pela pressão dos seus pares e pelo desejo de ter brinquedos caros”. “O Ministério compra armamento por uma questão de orgulho, não importa se é útil ou não. Os exemplos mais óbvios são os seus dois submarinos (actualmente atrasados) e 39 caças de combate (apenas 12 em condições de voar)”, afirmava a propósito dos dois submarinos alemães adquiridos por Portugal, em 2005.

O diplomata americano criticou também a preferência de Portugal, em 2006, pela aquisição de fragatas holandesas, em vez das vendidas pelos EUA. “O Ministério da Defesa optou por gastar mais de 300 milhões de euros em fragatas holandesas usadas. As americanas teriam exigido apenas cerca de 100 milhões de euros na sua modernização e apoio logístico”.

O embaixador, na sua correspondência com Washington, acrescentava, ainda, que a opção portuguesa por “comprar europeu” também aconteceu com os helicópteros-patrulha, onde mais uma vez foram preteridos os americanos em favor dos europeus, estes sem contratos de manutenção.

Num outro telegrama, o embaixador fala num país de “generais sentados”, afirmando que o Ministério da Defesa não é capaz de tomar decisões e que “os militares têm uma cultura de status quo, em que as posições-chave são ocupadas por carreiristas que evitam entrar em controvérsias”. E Stephenson afirma que Portugal tem mais almirantes e generais por soldado do que quase todas as outras forças armadas.

Das pressões sobre diplomatas e políticos portugueses (incluindo Cavaco Silva), a propósito do Kosovo, falam os telegramas do embaixador Alfred Hoffman, em Outubro de 2007, e de Thomas Stephenson, em 2008. Aqui, também ressalta das várias centenas de telegramas enviados de Lisboa nos últimos quatro anos que mais de 80 pessoas colocadas em posições-chave no aparelho de estado português eram utilizadas pelos diplomatas americanos como informadores ou elementos de pressão a favor dos EUA.

Concluindo.
Daquilo que afirmam os embaixadores americanos nos seus telegramas, pode deduzir-se como eles dispõem facilmente de ampla informação do interior das Forças Armadas e das polícias e da diplomacia (Luís Amado é um grande amigo dos EUA), assim como de vários outros sectores da vida económica e política portuguesa. Para além dos fortes indícios de que a CIA faz escutas em Portugal, os agentes americanos têm tido aqui não apenas boas possibilidades de informação mas também de infiltração/intervenção a favor dos interesses americanos, contando, inclusive, com a colaboração dos Serviços de Informação de Lisboa. Esta é uma situação repugnante, que temos de condenar firmemente.

Por outro lado, as razões das diversas críticas que temos feito às compras militares levadas a cabo pelos diversos governos da burguesia, aos generais e almirantes portugueses, assim como a outro pessoal do aparelho de estado, não se confundem com as do embaixador americano. Por estarmos radicalmente contra as guerras e a ordem económica, política e social do capitalismo, por considerarmos que grande parte dos dinheiros actualmente gastos com o armamento e a tropa deve ser transferida para a saúde, a segurança social, a educação e a luta contra a fome.


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