Portucale & Companhia
Porque não são julgados os ex-ministros?
Carlos Completo — 3 Fevereiro 2011
Abel Pinheiro, ex-dirigente do CDS-PP e arguido no processo Portucale, falou aos jornalistas à saída da primeira sessão do julgamento do processo Portucale. Afirmou ter sido “apenas um mensageiro” de um pedido ao ex-ministro do Ambiente Nobre Guedes para assinar o despacho que permitia o abate de mais de dois mil sobreiros, em Benavente. Acrescentou, ainda, que essa função de mensageiro “era perfeitamente legítima” e que “estava a exercer funções públicas atribuídas pela comissão executiva do partido”, da qual fazia parte.
Onze arguidos, entre os quais Abel Pinheiro (por cujas mãos passaram várias versões prévias do despacho de Nobre Guedes favorável ao Grupo Espírito Santo), começaram a ser julgados, no dia 2 de Fevereiro, num processo relacionado com o abate de mais de dois mil sobreiros, na herdade da Vargem Fresca, em Benavente, para a construção de um projecto turístico-imobiliário da empresa Portucale, do Grupo Espírito Santo (GES).
Os arguidos que agora começaram a ser julgados são: Abel Pinheiro, Carlos Calvário, José Manuel de Sousa e Luís Horta e Costa (estes três ligados ao GES), António de Sousa Macedo (ex-diretor geral das Florestas), Manuel Rebelo (ex-membro da Direção-Geral das Florestas), António Ferreira Gonçalves (ex-chefe do Núcleo Florestal do Ribatejo), João Carvalho, Teresa Godinho, Eunice Tinta e José António Valadas (funcionários do CDS).
No início do julgamento, o advogado de António Sousa Macedo questionou a razão por que os três ministros – Nobre Guedes, Telmo Correia e Carlos Costa Neves, que assinaram o despacho de 16 de Fevereiro de 2005 – não estão a ser julgados. «Não vejo aqui nenhum ministro presente. Este julgamento é um absurdo e uma imbecilidade. Não percebo por que só estão aqui os técnicos, que não violaram nenhum dever, só cumpriram ordens», afirmou Carlos Pinto de Abreu.
Por um lado, percebe-se que Carlos Pinto de Abreu queira branquear as responsabilidades de Sousa Macedo neste processo, mas, por outro lado, é bastante significativo que o Ministério Público, sob a direcção de Cândida de Almeida, tenha, uma vez mais, evitado acusar os principais responsáveis das golpadas.
Abel Pinheiro e os administradores do GES são acusados de tráfico de influências, enquanto os funcionários do CDS-PP vão responder pela acusação de falsificação de documentos. Estes são suspeitos do preenchimento de recibos de donativos para justificar a entrada de um milhão de euros nas contas do partido.
Essencialmente, o que aqui está em causa é a aquisição de donativos, de modo criminoso, para o CDS-PP. Tal como, nos casos Freeport, BPN e Face Oculta, em que, para além de benefícios pessoais de alguns dos participantes, parece haver indícios fortes de que parte destes dinheiros eram destinados a actividades políticas do PS e do PSD. Isto é, para além dos “legais” assaltos diários que as classes dominantes levam a cabo contra as classes trabalhadoras, há ainda estes assaltos mais descarados que vão fornecendo importantes meios para o funcionamento dos partidos de centro direita, que têm “governado” o país nas últimas décadas.