Libertem Cesare Battisti

Pedro Goulart — 27 Janeiro 2011

cesarebattisti_1.jpgEm 30 de Dezembro último, como aqui informámos, o presidente Lula recusou extraditar o perseguido político italiano Cesare Battisti e concedeu-lhe asilo no Brasil. Fê-lo contra a opinião das forças mais conservadoras e reaccionárias do país, onde se encontram parte dos elementos do Supremo Tribunal Federal. Hoje, apesar da decisão de Lula da Silva, este Tribunal continua a manter arbitrariamente Battisti na prisão (para entregá-lo ao estado italiano?).
Na linha daquilo que temos feito no MV contra a repressão – informação, denúncia e solidariedade – divulgamos aqui alguns extractos de uma carta de Cesare Battisti, de 18 de Janeiro, dirigida aos companheiros que têm lutado pela sua libertação.

“Caros companheiros/as:
Tem-se dito e escrito tanto sobre esse “Caso Battisti”, que já não sei mais distinguir direitinho o eu do outro. Aquele Battisti surgido do nada e jogado pela mídia como pasto para gado. Mas essas são só palavras, vazias como as cabeças desses mercenários que costumam facilmente trocar a pistola com a caneta e até uma cadeira no Congresso. No entanto, os/as companheiros/as de luta, assim, todos/as aqueles/as que ainda sabem ler atrás da “notícia”, vocês sabem quem é quem, qual a minha história e também a manipulação descarada que está servindo a interesses políticos e pessoais, de carreira e de mercado: em 2004, depois de 14 anos de asilo, a França de Sarkozi me vendeu à Itália de Berlusconi em troca do trem-bala [comboio de grande velocidade] de Lyon-Turin. Desde o ano 2000 estamos assistindo à impiedosa tentativa do Estado italiano de enterrar definitivamente a tragédia dos anos de chumbo, jogando na prisão e levando à morte o bode expiatório Cesare Battisti.

Entre centenas de refugiados dos anos 70 que se encontram em vários países do mundo, não fui escolhido por acaso nem pela importância do papel de militante, mas pela imagem pública que eu tinha enquanto escritor, o que me dava o acesso à grande mídia para denunciar os crimes de Estado naquela época e os atuais…

Eis que de repente há tantas coisas por dizer que eu não sei mais me orientar! Pela rua, claro, só a rua vai me dirigir até vocês. Na rua comecei mil anos atrás e nela continuo; nela mesmo onde será praticamente impossível evitar-nos. E então falo, falo de homens e de mulheres, de companheiros/as, de sonhos e de Estados (esses também ficam no caminho, de ladinho). Falo sobre minha vida que não conheceu hinos, nem infância, mas que em troco tive o mundo todo para brincar com outra música que não essas fanfarras de botas.

Contudo, parece quase que estou falando como homem livre, não é? Porém, estou preso. Vai fazer quatro anos no próximo março. Ainda assim, essas cariátides da reação não conseguiram me pegar em tempo. Quase três anos se passaram (antes de eu ser preso), de rua a outra, nesse tempo conheci o país, cheirei o povo, me misturei a ele, ao ponto de quase esquecer o hálito fedorento dos cães de caça. Ainda estou preso, está certo, mas isso não me impede de sentir lá fora vossos corações batendo pela liberdade”.

Nos próximos dias, o Supremo Tribunal Federal volta a analisar o caso Battisti, que entregara nas mãos de Lula e que fora objecto daquela decisão do então presidente do Brasil. É urgente a continuação da solidariedade e da luta internacional para que Cesare Battisti seja rapidamente posto em liberdade!


Comentários dos leitores

afonsomanuelgonçalves 28/1/2011, 16:05

É sabido que perante a situação de enclausuramento de C. Battisti, não basta a solidariedade internacionalista que à sua volta se tem levantado aqui em Portugal. A menos que muito ao gosto de uma determinada esquerda "anti-reformista" se queira arranjar mais um "mártir" para a sua activíssima prática revolucionária. Obviamente, C. Battisti não é moeda de troca para estes rituais a que estamos habituados desde há muito tempo.
Por isso, seria preferível analisar a situação insustentável de C. Battisti à luz do Direito Internacional e à luz das relações diplomáticas em vigor entre os estados. Pretender pôr o Direito Internacional à margem do poder político e vice-versa, é tentar tapar o sol com uma peneira. Nestas circunstâncias, isso não beneficia ninguem, nem o próprio Cesare Battisti.

João Bernardo 30/1/2011, 20:44

A respeito do comentário de Afonso Manuel Gonçalves, basta a consulta do site
http://cesarelivre.org/
para verificar que a perspectiva do direito internacional não foi descurada. Se Afonso Manuel Gonçalves tiver ideia de alguma iniciativa mais eficaz do que aquelas que até agora foram prosseguidas, seria excelente que a realizasse na prática.

afonsomanuelgonçalves 1/2/2011, 9:37

A crítica formulada por mim relativamente a este lamentável facto júridico e político que transforma uma pessoa numa bola de ping-pong, resultou na falta de esclarecimento mais objectivo que me pareceu não ter existido desde o início. O artigo publicado no jornal Público em 31 de Janeiro confirma um pouco a minha observação.
A impressão recolhida da campanha, segundo me parece obedeceu mais a um estilo de propaganda emocional do que a um protesto contra a arbitrariedade que reina no poder judicial e político no Brasil.
Cesare Battisti é vítima deste jogo inaceitável em qualquer parte do mundo e muito menos num país política e juridicamente desenvolvido e avançado.
Mas com este caso, tenho dúvidas que de facto o seja...


Envie-nos o seu comentário

O seu email não será divulgado. Todos os campos são necessários.

< Voltar