França: uma população em estado de alerta
François Pechereau — 27 Novembro 2010
Desde a aprovação da lei do presidente Sarkozy relativa à alteração das reformas, a participação nas movimentações de protesto tornou-se menos importante. E, no entanto, há muito tempo que não se via em França uma mobilização de massas tão importante. Cada dia de manifestação reunia milhões de pessoas (até três milhões no auge dos protestos): as fábricas bloqueadas, as refinarias e postos de combustíveis fechados, o lixo não recolhido, as pontes e os pontos estratégicos das cidades cortados.
Os grevistas conseguiram, desde há alguns anos, utilizar técnicas eficazes, quase cirúrgicas, de intervenção, que – com muito poucos recursos – bloquearam o país muito rapidamente.
Contrariamente ao que se poderia esperar, o movimento foi apoiado de maneira quase unânime: os automobilistas, obrigados a esperar durante horas nas poucas bombas de gasolina abertas, mantiveram-se calmos, apoiando desta maneira implícita o movimento; igualmente, nenhuma cena de cólera foi vista entre os utentes dos transportes colectivos. Cada um participava à sua maneira, activamente ou apoiando o movimento.
Esta capacidade de mobilização que têm os sindicatos continua a ser uma verdadeira força em França. Mas o factor que o governo mais temeu foi a participação dos estudantes que, com a sua imprevisibilidade, pode transformar um movimento num bloqueio total. E, desta vez, os estudantes nem sequer desceram à rua em força.
A mobilização estudantil, neste caso, reflecte mais um mal-estar sobre a questão do trabalho e das saídas profissionais do que unicamente sobre as reformas.
Por trás da imensa mobilização que se verificou, todas estas questões vieram ao de cima.
Por exemplo, a das desigualdades entre operários e quadros, que têm de trabalhar até à mesma idade quando a penosidade do trabalho não é a mesma. Estudos realizados mostram que um operário só “beneficia” realmente de dois ou três anos de reforma antes de ter sérios problemas de saúde, enquanto os quadros beneficiam bastante mais.
E também a questão das desigualdades entre homens e mulheres. Mesmo se os salários têm tendência (mas apenas tendência) a aproximar-se, uma mulher tem de trabalhar até aos 65 ou 67 anos para beneficiar de uma reforma a cem por cento, ficando a receber menos que um homem nas mesmas condições.
Dizem-nos que saímos da crise, mas ao vermos que para um lugar de secretariado se recebem 70 currículos num só dia (caso sucedido num escritório que conheço) e que todas as empresas de construção baixam drasticamente os preços dos serviços para ganharem empreitadas, tiramos a conclusão de que a crise e as situações precárias estão bem instaladas.
A lei foi aprovada no dia 27 de Outubro e validada em 9 de Novembro pelo Conselho Constitucional. Os franceses vão ter de trabalhar pelo menos até aos 62 anos. No entanto, este movimento só pode ser visto como uma vitória, como uma garantia sobre a capacidade que o povo tem de se levantar para lutar por questões fundamentais.
A enorme mobilização e todas as manifestações realizadas são o sinal de um grande “estamos fartos”, como provam as pancartas e bandeirolas exibidas nos desfiles, que misturavam uma multiplicidade de assuntos: as questões do Estado, em volta dos grandes salários e desvios de fundos (caso Woerth-Betencourt), as protecções fiscais repostas pelo governo, o medo constante do despedimento numa economia de mercado sem freio.
Mesmo se não se ganhou no que respeita ao que estava directamente em causa (a alteração da idade da reforma), estes dez dias de mobilizações maciças ficam como uma nova prova da capacidade que tem o povo francês de se manter em estado de alerta.