A disputa partidária e o que está para vir

Manuel Raposo — 16 Novembro 2010

chega_web.jpgAcertaram, todos os que disseram que o PSD e o PS acabariam por se entender sobre o Orçamento do Estado. Mas a verdade é que a aposta não tinha grande complexidade se fosse descontada toda a ganga de competição partidária que envolveu a questão. Em todo o caso, não achamos que tudo se reduza a um simples “teatro”, como os comentários feitos pelo BE e pelo PCP sugerem. É que a presente competição partidária entre o PS e o PSD, mesmo se assenta numa ampla plataforma de entendimento, dá já sinal das mudanças futuras (e próximas) que o patronato – exprimindo-se agora, sobretudo, pela boca do PSD – quer ver postas em prática.

Há uma forma de explicar o romance do OE mais simples do que as versões dramatizadas pelos meios de comunicação e pelos altifalantes partidários. Pode contar-se assim:

A nova direcção do PSD quis ganhar rapidamente as boas graças dos empresários capitalistas para se poder apresentar como via política de substituição do PS. Apoiou em Maio as medidas violentas do PEC e com isso satisfez dois objectivos: viabilizar mais um ganho na luta contra os assalariados e mostrar aos empresários que podiam contar com a equipa social-democrata recém-eleita.

Mas, uma vez assegurado o ganho, fez-se de imediato porta-voz de novas exigências do capital que visavam pressionar o governo para adoptar medidas políticas mais radicais do que as que ele estaria pronto a aplicar no momento: medidas que se traduzissem num embaratecimento drástico e imediato da força de trabalho (baixa de salários) e, mais em geral, numa forte diminuição dos demais encargos das empresas (baixa de impostos, redução da taxa social única, etc.).

Uma proposta radical de revisão constitucional (dando o sentido da mudança pretendida) e a ameaça de chumbar o OE foram os meios desta pressão sobre o governo e o PS. O objectivo era o de empurrar o PS a tomar aquelas medidas e fazê-lo desgastar-se aos olhos do eleitorado para, a prazo não muito alargado, o PSD colher os frutos; ou então, caso o governo não as tomasse, desacreditar o PS aos olhos dos patrões.
Esta ofensiva do PSD teve o apoio aberto e declarado de economistas, comentadores, homens da banca, patrões diversos, que falaram em perfeito uníssono – como ficou patente num encontro com economistas de vários matizes em que a bandeira do chumbo do OE foi agitada de forma bem visível.

Acontece que o PS, sempre disponível, fez uma vez mais o que o patronato queria – correspondeu às pressões lançando na proposta de OE as medidas que o capital, nacional e estrangeiro, reclamava. E, ao mesmo tempo, contra-atacou o PSD com o que o patronato de momento não queria: a demissão do governo e eleições intercalares.

Passos Coelho, embalado pelas palmadinhas nas costas, não percebeu que, no momento em que o governo lançou a proposta de OE, os empresários deram a parada como ganha sem terem de passar por uma inútil e agitada mudança de equipa governativa. Ao insistir até ao absurdo que iria chumbar o OE, Passos Coelho acabou por assustar os banqueiros e os empresários que o tinham empurrado para a frente.
O nervosismo do PSD quando julgou ver a meta do poder à sua frente fê-lo levar tempo a perceber que tinha de parar a pressão, de dar o dito por não dito e resignar-se a esperar melhor oportunidade para chegar ao governo.

É este o ponto em que estamos agora. O patronato deu mais um passo no sentido de pagar menos pela força de trabalho que explora, abriu caminho à destruição dos apoios sociais do Estado e guarda-se para novas investidas enquanto consolida os ganhos.

Se houve “teatro” na disputa acesa entre PS e PSD ele terminou aqui. Mas não terminou de modo nenhum o processo que foi posto em marcha desde a aplicação das primeiras medidas de “austeridade”. E é para dar continuidade a esse caminho que as propostas radicais do PSD foram avançadas e permanecem sobre a mesa.
Para o demonstrar, o líder do PSD (corria ainda a discussão do OE) afirmou publicamente o que constitui todo um programa de terrorismo social: “os direitos (dos trabalhadores, entenda-se) acabam no dia em que tiverem de acabar”.

E mesmo a peixeirada do debate parlamentar sobre o OE (que o púdico Cavaco Silva veio verberar) tem o significado de mostrar que as coisas não vão ficar por aqui; e que entre PS e PSD não abrandará a disputa para ver qual deles melhor se posiciona para representar o patronato e dar forma política às suas exigências.
Ou para ver como os dois, em parelha, partilham esse papel.


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