Espanha
Boas razões para a greve geral
País paralisa amanhã, dia 29, na jornada europeia de luta
Manuel Raposo — 28 Setembro 2010
Um estudo elaborado pelo Gabinete Técnico da Federação do Comércio Hotelaria e Turismo das Comisiones Obreras (central sindical espanhola) dá conta da evolução dos salários em Espanha na última década e meia. E mostra como muitas das conclusões não valem só para Espanha. Mais um argumento para a greve geral marcada para 29 de Setembro.
A primeira constatação é que o significativo aumento do produto interno bruto (PIB) nos anos de crescimento económico não foi acompanhado pelo crescimento dos salários. Nos 15 anos que vão desde 1994 a 2008 o PIB cresceu cerca de 50% e os activos financeiros perto de 100%; mas o salário médio não chegou a crescer 2% e os subsídios médios de desemprego reduziram em cerca de 30%. Deste modo, o peso dos salários na produção anual retrocedeu.
Este processo, diz o estudo, é comum a quase todas as economias capitalistas e significa uma apropriação crescente dos frutos do trabalho por parte do capital.
Com efeito, no caso dos países da União Europeia os números mostram que a remuneração dos assalariados em relação ao PIB representava em 1960 cerca de 63%, subiu até aos 67% em 1975-76 e daí para cá declinou constantemente até 57% (2008). Em Espanha depois de um pico de quase 68% em 1977 desceu até cerca de 55% (2008).
Outro dado refere-se ao poder aquisitivo, isto é, a relação entre os salários e os preços no consumidor. Nos últimos anos essa relação manteve-se estável – mas apenas para quem recebe salários. Ou seja, os números oficiais não levam em conta o desemprego e escondem, portanto, a deterioração efectiva da capacidade de consumo média dos trabalhadores. Além disto, mesmo o poder de compra dos que trabalham foi diminuído com o corte do valor nominal dos salários praticado em 2010.
À desigualdade entre capital e trabalho junta-se uma outra: a desigualdade de remuneração entre assalariados.
O salário médio espanhol está em 18.244€ por ano (1520€ por mês, contra menos de 900€ em Portugal). Mas há muitas mais pessoas a ganhar abaixo dessa média dos que as que ganham acima. Cerca de 59% dos assalariados ganham menos de 18.500€, 36% ficam entre 18.500 e 24.000€ e 5% recebem acima de 24.000€.
Acresce a desigualdade entre homens e mulheres. Em média as mulheres recebem menos 20% que os homens. Mas as diferenças são mais acentuadas quando se observa a questão segundo os níveis salariais. Dos assalariados que ganham o salário mínimo, ou menos, mais de 74% são mulheres; dos que ganham entre um e dois salários mínimos mais de 58% são mulheres; e, a partir daqui, a percentagem de homens é superior à de mulheres, aumentando de nível para nível, de modo que, de entre os que ganham mais de oito vezes o salário mínimo, apenas 25% são mulheres.
Além desta diferenciação no valor dos salários, são as mulheres que mais têm empregos precários e a tempo parcial.
Os dados do estudo permitem ver a tendência permanente para degradar o valor dos salários, ou seja a parte do trabalho na riqueza produzida. Para além dos números referidos de início, é também ilustrativa a comparação entre os crescimentos do salário médio, da produtividade e do PIB. No período de 1995 a 2007, o salário médio por empregado cresceu apenas 1,93%, enquanto a produtividade aumentou 5,31% e o PBI subiu 44,69%.
Em Espanha, como cá, as queixas patronais sobre a “baixa produtividade” mascaram a apropriação pelo capital dos acréscimos de produtividade que se têm verificado e mascaram, portanto, o colossal aumento dos rendimentos capitalistas.
Significativamente, o estudo assinala que a tendência de queda da parcela dos salários na riqueza produzida só foi contrariada nos momentos de confrontação social, fosse no período de transição política de final dos anos 70 (fim do franquismo), fosse no período situado entre as greves gerais de 1988 e 1994.
Um dado importante para perceber o papel que a luta de classes desempenha na repartição do produto do trabalho e na melhoria das condições de vida das massas trabalhadoras.