O caso Freeport: uma polémica de superfície

Carlos Completo — 11 Agosto 2010

justica.jpgO demorado e controverso caso Freeport, tal como diversos outros casos que podem atingir os políticos, têm dado origem a intensa polémica. Televisões, rádios, jornais e blogues têm-lhes reservado amplo espaço. Mas, apesar de poucos acreditarem nesta justiça, a polémica gerada, mesmo a provocada por alguma gente de esquerda, geralmente não tem passado da superfície dos problemas. Raramente alguém ousa aflorar a questão da justiça de classe.

A propósito do caso Freeport, o blogue Jugular (afecto ao PS) publica, em 6 de Agosto, um post de João Pinto e Castro intitulado Todo o poder ao Soviete do Ministério Público?, em que, entre outras coisas, diz: “Ao contrário do que afirma o PGR, o Sindicato dos Magistrados do Ministério Público não age como um partido em defesa dos projectos pessoais de algumas pessoas. Apropria-se indevidamente de um poder que a lei não lhe confere e que exerce em proveito não se sabe bem de quem ou de quê. Por razões compreensíveis, quase todos os políticos temem ser vítimas das manigâncias do Soviete do Ministério Público; mas, a bem da defesa do regime democrático, chegou a hora de agir, pondo cobro aos desmandos perpetrados por uma pequena clique que mantém o país refém dos seus caprichos (chamemos-lhes assim). Ou nós ou eles.”

E, num comentário a este post, a conhecida historiadora Irene Pimentel: “é isso, João. Isto agora é a sério. Já durou tempo demais. E os partidos (os partidos à séria) que tomem as suas posições, estamos cá para ver quais vão ser. Eu não votei no tal sindicato, nem nenhum português.”

Como estes nossos políticos de serviço ao sistema parecem ter memória curta! Em geral, indignam-se apenas quando as consequências os atingem. E alguns, como parece ser aqui o caso, não o fazem por ignorância mas sim por pura hipocrisia.

Não sabe esta gente que todo o aparelho policial/judicial existente foi montado pela sua classe (a burguesa), de que o PS é parte, para manter as classes trabalhadoras e exploradas na ordem? Admiram-se agora que o monstro que criaram nem sempre possa cumprir bem a função para que foi criado e, por vezes, resvale, tomando partido por uma fracção ou partido da burguesia contra outros?

A par disto, e ainda a propósito deste caso, os subterfúgios, as justificações e a conversa de alguns magistrados, nomeadamente dos procuradores Pinto Monteiro e Cândida de Almeida, em geral já não nos conseguem indignar – apenas nos provocam náuseas.

Da gente e dos partidos mais à direita do PS nem vale a pena falar (aqui pretendem enterrar o governo de Sócrates), pois o seu empenho na defesa do aparelho policial/judicial é total – quanto mais segurança para os seus bens e pessoas, assim como a necessária repressão sobre os excluídos ou opositores do sistema, tanto melhor.

Por outro lado, algumas críticas surgidas à esquerda do PS geralmente não vão ao cerne do problema. Insistem no “mau funcionamento da justiça”, tomam posição a favor de uns magistrados (que seriam os bons?) contra outros ou fazem-se apenas eco dos media da burguesia. Se estes críticos conseguissem, ainda que momentaneamente, despir-se da sua condição de classe e investigassem um pouco mais o currículo e os interesses desses magistrados talvez tivessem menos certezas. Um tipo “porreiro” ou “honesto”, que se conheceu na escola ou na universidade, uma vez integrado na engrenagem – o aparelho policial/jurídico do estado capitalista – deixa de ser o mesmo, pois tem de se adequar ao que lhe mandam fazer, ao que dele requer o sistema.

É significativo, do nosso ponto de vista, o que se passa nas áreas do PC e do BE, pois aqui é grande o respeitinho pela “justiça”, quando não o envolvimento de alguns dos seus elementos no aparelho repressivo do Estado. Têm sido várias as afirmações e actos de militantes seus que vão apenas no sentido de “consertar” a ordem jurídica (burguesa) instituída. É de ler, por exemplo, o que tem sido dito pelos deputados António Filipe, João Oliveira ou João Semedo.


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