Como a Banca se impõe ao Estado
25 Julho 2010
Enquanto aumentam os impostos sobre os trabalhadores, diminuem os impostos sobre a Banca. Em 2009, a taxa efectiva de impostos sobre lucros paga pela Banca baixou para 4,3%. Estes dados, contidos num estudo do economista Eugénio Rosa, não provocam surpresa pois já numerosas vezes tem sido denunciado o papel privilegiado da Banca no contexto do capitalismo. Mas ajudam a perceber como o processo de financiarização do capitalismo português, tal como sucede mundialmente, coloca o capital financeiro no centro da actividade económica do país. Decorre daí a obediência dos governos aos interesses da banca e dos meios da finança. E a satisfação desses interesses traduz-se numa colossal transferência de riqueza da população trabalhadora para o capital.
Seguem-se algumas passagens do referido estudo.
A Associação Portuguesa de Bancos acabou de divulgar os resultados da banca referentes a 2009. E apesar dos lucros terem atingindo 1.725 milhões €, a banca deverá pagar, dos lucros obtidos em 2009, apenas 74 milhões € de imposto (IRS mais derrama), o que corresponde a uma taxa efectiva de imposto de 4,3%. E isto porque a banca conseguiu diferir 201 milhões € de impostos que podem “ser recuperados no futuro se forem gerados lucros suficientes. E certamente a banca vai gerar lucros suficientes.
Se considerarmos o período 2004-2009, segundo dados divulgados pela Associação Portuguesa dos Bancos, os lucros, antes de impostos, da banca somaram, 13.425 milhões €, tendo o valor dos impostos pagos (IRC mais derrama) atingido apenas 1.740 milhões €, o que corresponde a uma taxa efectiva de imposto de apenas 12,96%. Se a banca tivesse pago a taxa legal, teria sido obrigada a pagar 3.557,6 milhões de euros de IRC e de derrama; portanto, a banca pagou menos 1.818 milhões de euros de imposto do que teria pago se fosse tributada à taxa legal de 26,5% (IRC mais derrama), aumentando mais os seus lucros à custa de impostos não pagos ao Estado.
Mas não é só ao Estado que a banca não paga o que devia pagar. O mesmo acontece em relação aos seus trabalhadores cuja parcela do VAB (riqueza apropriada e a criada pela banca) para eles é cada vez menor. Em 2004, as Despesas de Pessoal da Banca representavam 44,8% do VAB e, em 2009, apenas 36,5%. Se a banca, ao longo do período 2004-2009, tivesse dispendido com Despesas de Pessoal a mesma percentagem do VAB que gastou em 2004 – 44,8% -teria gasto mais 2.782 milhões de euros. E tenha-se presente que nas Despesas com Pessoal estão incluídas muitas outras despesas para além dos salários dos trabalhadores (por ex., as elevadas remunerações e bónus recebidos dos administradores, as despesas com transportes etc..).
Portanto, uma parte dos lucros da banca foi conseguida também à custa da redução do VAB utilizado para pagar as despesas com os trabalhadores.
Enquanto o governo, com o apoio do PSD, trata desta forma a banca, e ajuda com avales e mesmo suportando elevados prejuízos de má gestão ou mesmo de gestão danosa, como sucedeu nos casos do BPN e BPP, em relação aos trabalhadores e pensionistas a carga fiscal dispara, agravando ainda mais as suas já difíceis condições de vida.
Só o aumento de 1 ponto percentual na taxa de IRS que incide nos rendimentos tributáveis até ao 3º escalão (17.979 €/ano), e de 1,5 pontos percentuais nos escalões superiores determina que o valor das retenções feitas aos trabalhadores aumente, por ano, em cerca de 653,7 milhões de euros, sendo 318,2 milhões de euros feitas aos trabalhadores com rendimentos tributáveis até 17.979 € /ano, ou seja, até 1284€/mês, portanto com rendimentos que podem ser muito baixos. Se considerarmos o período que esta medida vigorará em 2010 (7/12 ), conclui-se que já este ano serão retidos aos trabalhadores, a mais, cerca de 381,3 milhões € só a nível de IRS. Se somarmos
o IVA que se terá de pagar a mais devido ao aumento de 1 ponto percentual nas taxas, incluindo a que incide sobre os produtos e bens de 1ª necessidade – mais 461 milhões € em 2010, e mais 1.155 milhões € nos outros anos , segundo o Relatório de Orientação da Politica Orçamental – o aumento da carga fiscal que incide sobre os portugueses é inaceitável quando se continua a assistir a uma situação de verdadeiro favorecimento da banca o que mostra de uma forma clara a subordinação do poder politico ao económico.
Comentários dos leitores
•afonsomanuelgonçalves 25/7/2010, 17:42
"Quem dominou sob Luís Filipe não foi a burguesia francesa mas uma fracção dela: os banqueiros, os reis da bolsa. Ela ocupava o trono, ditava as leis nas Câmaras e adjudicava os cargos públicos, desde os ministérios até aos arquivos. (...) o deficit do Estado era precisamente o verdadeiro objecto das suas especulações e a sua principal fonte de enriquecimento. Cada ano um novo déficit. Cada quatro ou cinco anos um novo emptréstimo". K.Marx, in A luta de classes em França !848-1850.
Pelos vistos esta crise não constitui uma novidade histórica, talvez a diferença seja a de que neste quadro, no séc.XIX o governo foi derrubado pela classe trabalhdora, mas agora os seus dirigentes querem que a pequena burgusia dirija o processo, isto é, eles próprios aliados ao PS e assim se conquistará a tão desejada "justiça social."