A importante manifestação de dia 29
Que seja o começo de uma viragem
Urbano de Campos — 1 Junho 2010
Pouco importa se foram 200 ou 300 mil os manifestantes que desfilaram em Lisboa no passado sábado. Tratou-se sem dúvida de uma das maiores e mais importantes manifestações das últimas décadas. Centenas de autocarros trouxeram milhares de pessoas de todo o país. Muitas delas, gente de trabalho braçal facilmente reconhecível pelas mãos que se estendiam para receber os comunicados distribuídos por diversas organizações. E também largas faixas de gente jovem, talvez mais do que é usual nas manifestações, tornadas rituais, do 1.º de Maio e do 25 de Abril. O sentido de protesto político evidenciado pela manifestação de dia 29 está traduzido no facto de ela ter tido muito mais participantes e ter mostrado mais entusiasmo que as duas que a precederam. Não por acaso, portanto, o interesse com que os manifestantes recebiam, ou mesmo procuravam, a propaganda distribuída – a nosso ver sinal de que muita gente procura resposta política para a situação que as classes trabalhadoras estão a viver.
O discurso do secretário-geral da CGTP, Carvalho da Silva, deixou a porta aberta para, na sua expressão, qualquer tipo de protesto constitucional. E disse que a CGTP corresponderá às exigências dos trabalhadores. Uma greve geral contra a política do patronato que PS e PSD põem em prática é, portanto, uma possibilidade, mesmo se não foi claramente apontada como um objectivo.
Ambiguidades
Mas subsiste uma ambiguidade nas posições expressas por Carvalho da Silva que merecem ser esclarecidas. Dias antes da manifestação, após um encontro com Jerónimo de Sousa, o secretário-geral da CGTP denunciou a “violência inaceitável” das medidas do governo e disse que a manifestação de sábado era a única forma de as travar. Não pôs de lado uma greve geral, fazendo-a depender das condições concretas e dos actos do governo. Mas, falando dos “sacrifícios impostos às pessoas”, Carvalho da Silva criticou o facto de não haver “o mínimo de garantias de quando terminam” nem “o mínimo de certeza de que o futuro será melhor”. E é aqui que, para nós, se situa a ambiguidade.
Está à vista que, por vontade do capital, os sacrifícios vieram para ficar; e que, assim, o futuro só pode piorar. Patrões, grupos de “pensadores”, jornalistas e demais apaniguados do aperto de cinto fazem diariamente a apologia de mais e mais duras medidas sobre os assalariados. O próprio governo e o PSD repetiram já que os “sacrifícios” perdurarão pelos anos mais próximos e prosseguirão enquanto “forem necessários”. Perante isto, que valor pode ter qualquer “garantia” de qualquer governo, tanto acerca do prazo de duração das medidas, como acerca de supostas “melhorias” que os “sacrifícios” de agora trariam para “futuro”?
Forças…
A manifestação de dia 29 coloca-nos a seguinte questão: estamos no começo de um crescendo de massas contra o governo e as medidas capitalistas de ataque ao trabalho? As condições objectivas permitem-nos pensar que sim. Nunca nos anos mais recentes a situação foi tão favorável ao crescer do descontentamento das massas trabalhadoras; e nunca a crise do sistema capitalista afectou tanto a coesão e a margem de acção política das forças do poder. No entanto, estamos ainda muito longe de uma mobilização maciça contra o poder – e o poder sabe disso. O que coloca as estruturas sindicais e as organizações políticas de esquerda perante a responsabilidade de não só apoiar as acções de massas como de impulsionar o movimento popular até um nível de resposta política à altura das circunstâncias, isto é, ao nível da violência de classe de que os trabalhadores estão a ser vítimas.
E fraquezas
É preciso não escamotear um importante ponto fraco que tem afectado as lutas de massas desde que o governo PS deu novo passo no ataque ao Trabalho: a classe operária em geral, e a classe operária industrial em particular, não tem tido capacidade para resistir à altura da situação; o despedimento individual e colectivo e o empobrecimento de que tem sido a primeira e a principal vítima são recebidos com raiva mas com resignação.
Nos últimos meses, apenas duas lutas deram um sinal diferente: a dos trabalhadores dos supermercados (que conseguiram fazer recuar tentativas dos patrões de aplicar horários de escravatura) e a dos trabalhadores dos transportes, uma luta com significativa participação dos sectores operários das oficinas.
Mais recentemente, as greves realizadas nos dias 20 e 21 de Maio nos ramos de fabricação de material eléctrico e electrónico tiveram grande adesão, nomeadamente em empresas multinacionais (Tudor Baterias, Bosch Car Multimedia, Delphi de Braga e do Seixal, Motometer, Visteon, Vitrohm, Legrand Eléctrica, Efacec e Preh), conforme noticia a organização sindical do sector, a Fiequimetal.
Estes casos são sinais que vão no sentido de uma mudança, mas há que encarar o facto de ainda não terem, no plano do país, o peso suficiente para inverter a situação.
Ponto de partida
O caminho é empurrar para a frente pequenos e grandes protestos, movimentações locais e nacionais para que a corrente se torne cada vez maior – como aconteceu desde o final de 2006 até à Primavera de 2008.
Se as medidas contra os assalariados são de uma “violência inaceitável”, como de faço são, não há outra maneira de lhes responder senão… declarando-as inaceitáveis. O que significa apoiar sem reservas todas as lutas e fazer da grande manifestação de dia 29 um ponto de partida para congregar os trabalhadores de todo o país num protesto maciço contra as medidas que o bloco PS/PSD põe em prática a mando do patronato. Assim, será possível fazer o capital pagar a crise.
Comentários dos leitores
•A CHISPA ! 3/6/2010, 21:43
O próprio discurso de C. da Silva, no final da manifestação foi bastante claro quanto às formas de luta futuras, ou seja, ele fez depender estas de uma politica mais EQUITATIVA por parte do governo,e não própriamente em opôr-se às medidas anti-sociais tomadas pelo governo.
Se assim não fosse, independentemente das formas de luta a adoptar no futuro, ele tinha que garantir aos manifestantes que a luta tinha que continuar até que o governo e o patronato recuassem e isso ele não fez, o que quer dizer e baseando-nos na experiência de luta do passado, em particular nos últimos dez anos, que não se pode acalentar qualquer esperança de oposição firme à politica anti-social do governo por parte da CGTP e dos seus principais dirigentes.
Sendo a CGTP, dirigida e controlada pelo PCP, é interessante observar as declarações de Rúben de Carvalho,membro do CC, em relação as propostas elaboradas e aprovadas, nas jornadas parlamentares do PCP no "Frente a Frente" na SIC, com Ângelo Correia do PSD, passo a citar: "Não se pense que o PCP está contra a recuperação económica e contra a redução do déficit público,o que entendemos é que deve haver mais moralização e mais equidade nas medidas que se devem tomar, para que não sejam sempre os mesmos a pagar os custos da crise." Estas afirmações são bastante claras quanto aos propósitos da nossa "oposição" de esquerda ao governo, mas outras, se estas não forem suficientes, poderão se arranjar proferidas quase diáriamente tanto por J. de Sousa, como por Francisco Louçã.
A ofensiva capitalista está para ficar e qualquer recuperação económica que haja ela não resolverá o problema do desemprego, pelo contrário irá agravá-lo, bem como a própria exploração para aqueles que têm ou vão tendo trabalho se agravará profundamente e isto quer dizer que, se houver qualquer oposição firme às politicas do capital, ela terá que vir forçosamente dos revolucionários.
Um abraço
"achispavermelha.blogspot.com"
A CHISPA!
•afonsomanuelgonçalves 5/6/2010, 17:53
Considerando:
Ponto 3. Que a greve geral pacífica se mostrou insuficiente proporcionalmente aos progressos ulteriores do movimento, e que a aplicação parcial dessa greve se mostrou impotente para alcançar o objectivo e não fez mais do que desorganizar as forças do proletariado;
Lenine, ponto incluído numa proposta apresentada ao Congresso do P.O.S.D.R. em 1906.
Será que Lenine estará 300 anos adiantado em relação ao tempo em que vivemos?