A cimeira da NATO não é bem vinda

Manuel Raposo — 9 Março 2010

war_72dpi.jpgO site da NATO anunciou em Agosto do ano passado a realização de uma cimeira da organização em Portugal no final de 2010. O facto foi confirmado pelo presidente da República, Cavaco Silva, e a data apontada para Novembro.
Da agenda faz parte a revisão do chamado “conceito estratégico” da Aliança. O propósito é alargar o âmbito de actuação da NATO, quer no plano geográfico quer no que toca aos motivos que podem servir de pretexto para a sua intervenção. Daí, a agenda anunciada da cimeira falar tanto da guerra no Afeganistão, como de ciber-terrorismo, de ameaças ambientais, de pirataria e de segurança energética. Quer isto dizer que tudo pode ser alvo da atenção e intervenção da NATO – isto é, dos EUA e da União Europeia.

A NATO, criada em 1949, no rescaldo da Segunda Guerra Mundial, aliou os países da Europa ocidental aos EUA dando início à chamada Guerra Fria. Apresentou-se primeiro como “defensiva”, visando fazer frente ao “perigo comunista”. Mas, depois do desaparecimento do Bloco de Leste, quando a justificação da sua existência era posta em causa, reorganizou-se em função do que os estrategas norte-americanos passaram a designar por “segurança global” e “intervencionismo humanitário”. Com esses pretextos foi desencadeada, em 1999, a guerra à Jugoslávia.

Pouco depois, o “combate ao terrorismo” passou a fazer parte da lista e, em 2001, foi essa a justificação para o ataque ao Afeganistão.

Presentemente, a NATO, que começou por ser uma organização do Atlântico Norte, estende tentáculos ao Atlântico Sul, a África e ao Oceano Índico.

Portugal, que é membro fundador da NATO por obra do salazarismo, tem mantido desde sempre completa dependência em relação aos interesses norte-americanos. Está comprometido por inteiro com a Aliança, para a qual contribui com militares, armamento e verbas avultadas. Participa nas guerras desencadeadas por vontade dos EUA, cede território para bases militares e disponibiliza sem pestanejar o espaço aéreo nacional às acções da Aliança. A tudo isto a população portuguesa tem assistido durante 60 anos sem poder pronunciar-se a favor ou contra.

Tal como os anteriores, o actual governo português – que tem efectuado profundos cortes nas despesas sociais, primeiro em nome do défice orçamental, depois em nome da crise, proximamente de novo em nome do défice e seguidamente em nome da dívida externa – gasta cada vez mais milhões de euros com os contingentes militares que põe ao serviço das aventuras militares da NATO.

Além disso, os compromissos assumidos pelos governos portugueses junto dos seus parceiros da NATO implicam virar costas a outros compromissos – como o respeito da vontade popular, o respeito dos direitos humanos, o respeito da legalidade internacional, o respeito do direito dos povos e disporem de si próprios, o respeito do dever de não agressão…

Tem portanto todo o sentido apelar ao povo português para que exija a mudança completa da política de subserviência e de cumplicidade que tem norteado as autoridades do país diante da NATO e das grandes potências.

O anúncio da cimeira para Portugal deu origem a movimentações de diversos activistas e forças políticas no sentido de levantar um protesto nacional contra a NATO.
No final de 2009 e no início deste ano, duas iniciativas diferentes criaram plataformas de acção contra a cimeira: a Plataforma Anti Guerra e Anti Nato (PAGAN) e a campanha Paz Sim, NATO Não!

Várias das pessoas e organizações que apoiam as iniciativas (entre elas o Mudar de Vida) consideram que este movimento deverá ser de natureza unitária de modo a reunir o máximo de forças e a mobilizar o maior número de pessoas. Não sendo diferentes os alvos e as bases políticas das duas campanhas, nada obsta a que a acção seja convergente.

Sendo de admitir, e desejável, que realizações diversas tenham lugar por todo o país, deve porém fazer-se confluir forças nas acções mais significativas da campanha, como por exemplo uma contra-cimeira e uma manifestação de rua.

É neste sentido que fazemos um apelo para que todos dêem apoio, participem e divulguem as iniciativas a levar a cabo contra a cimeira e contra a NATO.

Objectivos da campanha contra a NATO

– manifestar a oposição à realização da cimeira da NATO e aos seus objectivos belicistas
– exigir ao governo que retire as forças portuguesas envolvidas em missões militares da NATO
– reclamar o fim das bases militares estrangeiras e das instalações da NATO em território nacional
– exigir a dissolução da NATO
– lutar pelo desarmamento, pelo fim das armas nucleares e de destruição maciça
– exigir às autoridades portuguesas que cumpram as determinações da Carta das Nações Unidas e da Constituição Portuguesa, em respeito pelo direito internacional, e pela soberania e igualdade dos povos.


Comentários dos leitores

afonsomanuelgonçalves 14/3/2010, 18:01

A propósito da observação feita na margem do site deste jornal com o título de "terrorismo bom" e da forma como "o espírito civilizado ocidental" encara os actos de terrorismo como crimes hediondos quando são praticados pelos povos bárbaros e fundamentalistas, recordo uma Conferência dada por Lenine em Zurique no dia 22/1/1917 onde declarou sem eufemismos o seguinte: "A Rússia conheceu pela 1ª vez um movimento revolucionário contra o czarismo em 1825, e este movimento foi quase exclusivamente realizado pela nobreza. Desde então e até 1881, ano em que Alexandre II foi abatido por terroristas, os intelectuais da classe média estiveram à cabeça do movimento. Deram provas do maior espírito de sacrifício e o seu método de luta terrorista admirou o mundo inteiro. É certo que não caíram em vão e o seu sacrifício contribuiu, directamente ou não, para a educação ulterior do povo russo".
Discurso pronunciado na Casa do Povo de Zurique.


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