Haiti – um povo em sofrimento
Grande parte da tragédia radica na situação económica e social há muito vivida no país
Pedro Goulart — 26 Janeiro 2010
Primeiro, a nossa reacção de horror face à catástrofe sísmica que se abateu sobre o povo haitiano. Com cidades arrasadas e centenas de milhares de mortos e feridos (com mais de 150 mil mortos e cerca de 2 milhões de vítimas). Depois, um forte sentimento de solidariedade com este povo oprimido e faminto. E o nosso olhar impotente face à sua luta desesperada pela sobrevivência.
Mas, também, a nossa compreensão de que o grau de destruição e morte no Haiti não pode ser atribuído apenas à magnitude do sismo. Que parte significativa dos trágicos resultados radicam na grave situação económica e social há muito vivida naquele país caribenho, com grande parte da habitação mal construída ou degradada e uma quase total falta de infra-estruturas, elementos incapazes de resistir minimamente à catástrofe.
Ocupando um terço do território da Ilha de São Domingos (os outros dois terços são ocupados pela República Dominicana), o Haiti, após uma revolta de escravos, em 1794, foi o primeiro país do mundo a abolir a escravatura. Hoje é um país com forte densidade populacional (mais de 300 habitantes por quilómetro quadrado) e extremamente pobre.
Em 1804, depois da derrota dos franceses por um exército de haitianos, o país declarou a independência. Como retaliação, os esclavagistas europeus e norte-americanos mantiveram o Haiti sob chantagem, recorrendo a um bloqueio comercial durante 60 anos. Até que, para pôr fim ao bloqueio, os haitianos se viram obrigados a assinar um Tratado, no qual se comprometiam a pagar à França uma indemnização de 150 milhões de francos.
Mais tarde vieram os norte-americanos, cujas tropas ocuparam o país entre 1915 e 1934. Aliás, foram numerosas as ocasiões em que os EUA intervieram na política do Haiti, apoiando golpes e ditadores sanguinários, condicionando fortemente a vida do povo haitiano. Franceses e norte-americanos foram, no fundo, grandes responsáveis por muito do mal infligido a este povo durante mais de um século.
Hoje, depois da catástrofe sísmica, e a pretexto dela, parece claro que o exército estado-unidense (com cerca de 20 mil soldados a colocar no terreno) prepara, uma vez mais, a ocupação militar do país. E conhecendo como se conhece o comportamento norte-americano neste campo, é de denunciar contundentemente e desde já a situação.