Israel e os “povos inferiores”

António Louçã — 21 Janeiro 2010

grandeditadorchaplin_72dpi.jpg“Reparem que ele está sentado numa cadeira mais baixa e nós estamos nas mais altas, que apenas existe [na sala] uma bandeira israelita e que não estamos a sorrir”.
Com estas palavras, em hebreu, Danny Ayalon dirigiu-se aos jornalistas que tinham vindo fazer a cobertura da sua entrevista com um diplomata turco convocado, em 11 de Janeiro, para receber um protesto israelita. Ayalon não é qualquer irresponsável: é o vice-ministro israelita dos Negócios Estrangeiros e braço direito do ministro Avigdor Liebermann, também ele conhecido como extremista e racista.

Nos dias seguintes, a encenação para humilhar o visitante desencadeou um autêntico vendaval de protestos e pareceu colocar Israel e a Turquia à beira do corte de relações diplomáticas. A crise tinha de ser resolvida de algum modo, porque a Turquia é, no chamado mundo islâmico, o país que se distingue por ser membro da NATO, por nunca ter estado em guerra com Israel e por manter com Israel relações de cooperação militar. Foi resolvida com dois pedidos de desculpas israelitas.

O que aqui importa é, no entanto, pensar um pouco sobre o significado da encenação. Ayalon convocou o diplomata turco para protestar contra um filme de ficção na televisão turca. Esse filme dava da Mossad uma imagem pouco ao gosto dos sionistas. Para mostrar graficamente que o interlocutor turco ia receber uma ordem e só tinha de acatá-la, colocou-o numa cadeira baixinha e com uma bandeira israelita, só essa, a decorar a sala.

Como não recordar a cena de “O grande ditador”, de Chaplin, em que Hitler recebe Mussolini e o coloca numa cadeira mais baixa para marcar as hierarquias dentro do Eixo?

Ao longo da História, sempre os grandes ditadores ou os chefes de potências expansionistas quiseram olhar o mundo de cima para baixo. Quando a sua estatura dificultava o exercício dessa preferência, dotavam-se de algum acessório. Napoleão olhava o mundo do alto do seu cavalo branco, Franco empoleirava-se num pequeno estrado para disfarçar a baixeza da sua estatura – à do carácter, não há estrado que valha.

Nas democracias burguesas normais, existem muitas outras taras. Mas esta foi rareando e talvez aí se possa ver um avanço civilizacional. Mesmo figuras detestáveis sabem gracejar oportunamente sobre si próprias, como têm feito Marques Mendes e António Vitorino. Só lhes fica bem.

O regime israelita de apartheid representa, nesse sentido, um retrocesso civilizacional. Nele não há diálogo com os outros povos da região e sim demonstrações de força, de poder e de supremacia: rituais mágicos levados a cabo por feiticeiros tribalistas de gravata.

Não deixa de ser significativo que o ministro Liebermann e o primeiro-ministro Netanyahu se tenham torcido todos para não obrigarem Ayalon a apresentar desculpas e tenha sido o presidente Shimon Peres a impô-las. Mas esse mesmo Shimon Peres, o “polícia bom”, sempre foi dizendo que no fundo o protesto israelita era justificado, porque a televisão turca tinha passado das marcas. Ora, esse era precisamento o teor dos protestos que Hitler repetidamente apresentava aos diplomatas britânicos contra a imprensa britânica alegadamente muito anti-nazi.

O regime turco não precisa que o ensinem a censurar a sua imprensa. Isso já ele sabe e pratica de sobra. Bem pelo contrário, mais democracia no mundo árabe e islâmico significaria menos margem de manobra para o sionismo.


Comentários dos leitores

Victor Barone 22/1/2010, 13:53

Excelente.

A. Poeiras 25/1/2010, 12:19

Netanyahu, com a conivência de Peres, deu mais um exemplo de diálogo, tolerância e vontade de resolver o conflito com os palestinianos ao afirmar que a Cisjordânia fará parte de Israel. Mais uma vitória de Obama!


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