A luta nacional dos ferroviários de 1969
Lições de um combate de classe com 40 anos
PG / sobre uma exposição de Carlos Domingos — 20 Novembro 2009
Em 28 de Outubro passado, decorreu na Câmara Municipal de Lisboa uma sessão comemorativa dos 40 anos da grande luta nacional dos ferroviários, travada em plena era marcelista. Carlos Domingos fez uma palestra em que relatou os acontecimentos da época, mostrando os processos de organização postos em prática, a união conseguida entre os trabalhadores e a vitória conseguida apesar das difíceis condições políticas da altura. É a sua exposição que aqui resumimos.
A luta dos trabalhadores ferroviários levantou-se contra as miseráveis condições de vida a que estavam condenados pelo governo fascista e pelos seus lacaios do conselho de administração da CP. Tirando os operários da indústria corticeira, os ferroviários eram de longe os trabalhadores mais mal pagos do País e aqueles cujas condições de trabalho eram das mais degradadas. Durante muitos anos, o seu sofrimento foi sendo suportado como uma fatalidade.
O início da luta
Com a saída de Salazar do governo e a ascensão de Marcelo Caetano, com promessas de melhoramento e de liberalização da situação nacional, os ferroviários julgaram ver, finalmente, uma possibilidade de reivindicarem o direito a uma vida melhor. No início de Outubro de 1968, uma ampla comissão, constituída por trabalhadores do movimento e das oficinas, fizeram a entrega de uma exposição reivindicativa no Ministério das Corporações.
Esta movimentação revelava duas coisas. A primeira era a unanimidade das reivindicações de todos os trabalhadores ferroviários (desde o pessoal do movimento, ao sector de via e obras, até aos serviços centrais). A segunda era a dispersão e divisão das iniciativas e a falta de organização da luta. Para manter e consolidar a primeira era urgente resolver a segunda, unindo e estruturando toda a actividade. Tal tarefa não era fácil, atendendo a que a CP tinha na altura cerca de 30 mil trabalhadores dispersos por centenas de locais de trabalho e em permanente deslocação através do País.
A comissão responsável pelo desencadear da luta resolveu, assim, reunir-se com elementos dos vários sectores e zonas da empresa e formar um grupo de trabalho, o qual passou a encabeçar a direcção da luta, começando por tentar forçar os sindicatos (cujos dirigentes eram controlados pelo governo) a convocarem assembleias-gerais com o fim de debater a revisão do acordo colectivo de trabalho.
Uma hora de paralisação
No dia 20 de Outubro de 1969, em resposta a um apelo da Comissão Nacional dos Ferroviários, entretanto constituída, os mais de 12 mil ferroviários que estavam em serviço paralisaram o trabalho das 15 às 16 horas. A estes juntaram-se muitos que estavam fora de serviço e vieram solidarizar-se com os seus companheiros.
A paralisação foi total nas oficinas do Barreiro (2 mil operários), nas oficinas do Entroncamento (2500 operários) e nas oficinas de Santa Apolónia, Campolide, Cruz da Pedra, Figueira da Foz e Ovar. Houve mais dificuldades de adesão em Campanhã.
A greve foi também total nas estações do Rossio, Santa Apolónia, Barreiro, Vila Franca de Xira, Coimbra (A e B), Alfarelos, Castelo Branco, Braga, Palmela. E foi parcial, embora ainda assim significativa, nas estações do Entroncamento, Pinhal Novo, Beja, Casa Branca, Alhos Vedros, Contumil, Gaia e outras.
Também os escritórios pararam totalmente no Rossio, Santa Apolónia e Barreiro.
Todos os comboios, desde o Rossio até à estação de Sintra, ficaram parados uma hora. O mesmo aconteceu com os tranvias que partem do Rossio para Azambuja. Na generalidade, os comboios que circulavam em toda a linha cumpriram a paralisação. Em diversas estações, como Barreiro, Beja e outras, até os comboios que estavam em manobras ficaram imobilizados.
No Rossio, em Lisboa, ao darem as 16 horas, rompeu uma estrondosa ovação não só dos ferroviários, mas dos milhares de pessoas que se tinham juntado aos grevistas. Uma ovação que ribombou na extensa cobertura metálica da estação. Homens e mulheres choravam emocionados.
Depois da greve, os ferroviários insistiram para que o patronato recebesse uma delegação para discutir a revisão do ACT (que durava desde 1955) e outros problemas da empresa. Em 5 de Novembro, endereçaram uma carta ao presidente do Conselho da Administração da CP, subscrita por mais de mil assinaturas, com o pedido de audiência para os dez primeiros signatários. Claro que esta carta ficou sem resposta. Porém, perante as sucessivas formas de pressão por parte não só da Comissão Nacional dos Ferroviários, mas também de outras comissões como as do Barreiro e do Entroncamento, com o apoio de centenas de cartas e telegramas de todos os pontos da linha, foi finalmente assinado o novo ACT em 10 de Novembro de 1969.
Apesar de ter sido assinado nas costas da classe e, mesmo assim, não ter sido assinado por todos os dirigentes sindicais, o novo Acordo foi considerado uma vitória dos ferroviários, embora parcial.
Unidade, organização, informação
A luta dos ferroviários de 1969 mobilizou toda a classe no seu conjunto e marcou-a para as lutas que se seguiram. Dela sobressaem três aspectos.
Em primeiro lugar, a unidade. Sem a unidade, que inicialmente esteve comprometida com a divisão entre o movimento e os serviços centrais, e que depois foi sendo pacientemente construída com as inúmeras reuniões através de toda a linha e consolidada com a realização do primeiro Encontro Nacional – sem essa unidade seria inconcebível a luta ter alcançado tal força e amplitude.
Em segundo lugar, a organização. Sem a organização não seria possível dirigir com êxito a luta numa empresa com tal dimensão e com tais características. Mas a organização não se institui por decreto. Ela foi sendo construída à medida que foram aparecendo os obstáculos a superar, criando uma estrutura com condições de estabilidade. A Comissão Nacional dos Ferroviários foi o primeiro núcleo organizado, nascido da movimentação em torno da acção reivindicativa; o seu arranque foi a elaboração, discussão e assinatura da primeira grande exposição e a sua entrega no destino.
Em terceiro lugar, a confecção e distribuição de material impresso. Era através desse material que se transmitiam os apelos, os comunicados e as palavras de ordem. Cada comissão tinha o seu aparelho de impressão, alguns constituídos apenas por um pequeno duplicador ou mesmo pelo simples acesso a uma fotocopiadora.
Ontem e hoje
A evocação feita por Carlos Domingos tem hoje, quanto a nós, a importância de mostrar o papel chave da unidade e da organização no êxito de uma luta. Mas tem sobretudo a importância de mostrar como é decisivo os trabalhadores levantarem sem rodeios os seus interesses próprios e confrontarem o patronato e as forças do poder com tais interesses.
Também em 1969 o poder quis desarmar a luta dos ferroviários invocando as “dificuldades do país”, envolvido na guerra colonial e a braços com uma inflação galopante. Mas a realidade das diferenças sociais falou mais alto para os ferroviários: enquanto os trabalhadores reivindicavam aumentos de 1.000 escudos sobre os seus vencimentos da altura, os administradores da CP tinham aumentado os seus próprios vencimentos de 9.500 para 21.000 e outros de 13.600 para 23.000 escudos.
Então como agora, as “dificuldades do país” eram, para patrões e governo, um encargo exclusivo dos trabalhadores. Os ferroviários souberam na altura rejeitar tal encargo.
Comentários dos leitores
•António Carvalho 6/6/2011, 15:29
TAL COMO HOJE, EM 1969 OS ADMINISTRADORES DA CP AUFERIAM VENCIMENTOS MILIONÁRIOS ENQUANTO OS TRABALHADORES FERROVIÁRIOS LUTAVAM POR AUMENTOS NÃO SUPERIORES A 1.000 ESCUDOS.
A LUTA ERA E CONTINUA A SER O CAMINHO.
VIVA A LUTA A LUTA DOS TRABALHADORES, DA JUVENTUDE E DO POVO PORTUGUÊS POR UMA VIDA MELHOR!