Corrupção e capitalismo
Pedro Goulart — 12 Novembro 2009
Os mais recentes acontecimentos públicos no domínio da corrupção envolvem António Godinho, um “dinâmico” empreendedor de sucatas, de Aveiro, cujos lucros se têm multiplicado nos últimos anos, Armando Vara, vice-presidente do BCP, já useiro e vezeiro nestas andanças, José Penedos, presidente da REN (o tal que dizia abrir champanhe sempre que privatizava uma empresa), Paulo Penedos, Lopes Barreira e mais de uma dezena de outros cidadãos, atingindo sobretudo gente da área do PS. Os dados apontam também para várias outras empresas (Carris, CTT, EDP, Empordef e Estradas de Portugal), assim como para diversas autarquias envolvidas no “negócio”.
Mesmo encarando com alguma reserva as (por vezes, fantasiosas) acusações provenientes de um aparelho judicial não confiável e sem embarcar em histerias justiceiras, parece estarmos aqui efectivamente perante factos que indiciam a existência de um grande polvo de negócios escuros.
Mas a operação “Face Oculta” corresponde apenas a mais um caso, a somar a outros já bem conhecidos: Freeport (também ligado ao PS), SLN/BPN (envolvendo gente grada do PSD), assim como os relativos à compra de submarinos ou ao processo Portucale (da área do CDS). Ou, ainda, o caso BCP.
Estes casos cobrem as estruturas partidárias (e os partidos também preciso de muito dinheiro!) que têm governado o País nas últimas décadas. Pressões de empresas privadas sobre o aparelho de estado, subornos, compra de altos funcionários públicos e autarcas, branqueamento de capitais, enchimento de cofres partidários ou pessoais, são alguns dos aspectos mais em evidência nos processos acima referidos.
Contudo, estes casos apenas representam algumas ilhas de um continente de corrupção, que articula gestores e funcionários de empresas públicas e privadas, autarquias, homens do aparelho de estado, elementos das forças policiais, assim como responsáveis dos partidos políticos das classes dominantes. Há autênticas máfias organizadas impondo a sua lei, envolvendo pais e filhos, correligionários, afilhados e padrinhos.
Tendo a economia capitalista como motor o lucro e a acumulação, tal acarreta, no actual estádio de desenvolvimento do sistema, a corrupção como uma variável endógena ao seu funcionamento. Variável que, nalguns países, já ultrapassa em valor o próprio tráfico de droga. Trata-se, hoje, efectivamente, de um sistema económico e político em putrefacção.
Não concordamos com aqueles que, à esquerda, acham que não se deve perder tempo com a denúncia da corrupção e que julgam que, ao fazê-la, podemos estar a ocultar o fundamental do sistema ou, até, eventualmente, a contribuir para a emergência de ditaduras de direita. Pensar ou agir deste modo, desvalorizando a variável corruptora do capitalismo, pode levar a um combate abstracto ou à ideia de que nada vale a pena, conduzindo, por vezes, à adopção de uma posição cínica face à sociedade em que vivemos.
Com a denúncia da corrupção, não procuramos contribuir para melhorar, “corrigir” ou “moralizar”o sistema capitalista (de que a corrupção é parte integrante), mas revelar à generalidade das pessoas o modo de vida do capital, acumulando nelas a revolta contra o sistema. Esta denúncia faz, assim, parte da necessária e sistemática desmontagem política de um modo de produção que explora e oprime milhões de homens e mulheres deste nosso mundo.