Para a Academia Sueca a paz passa pela guerra

Manuel Raposo — 9 Novembro 2009

obamanobelprize_72dpi.jpgO Prémio Nobel da Paz vale o que vale. Mais do que qualquer outro, tem-se prestado a todo o tipo de manipulações por parte das potências que influenciam a supostamente isenta Academia Sueca.
Só para referir as últimas décadas, o Nobel da Paz foi parar às mãos de pessoas como Henry Kissinger (1973), responsável pela condução da guerra do Vietname nos anos finais. Le Duc Tho, o dirigente norte-vietnamita da altura, também distinguido, recusou o prémio. Kissinger foi acérrimo defensor das ditaduras na América Latina. Era conselheiro de Nixon para a Segurança Nacional quando a CIA organizou, em 1973, o golpe militar no Chile contra Salvador Allende.

Em 1975, 1983 e 1990 coube a vez a Sakharov, a Walesa e a Gorbachev, distinguidos pelo jeito que deu ao ocidente a acção de cada um deles contra o bloco de Leste, no caso a URSS e a Polónia.

Em 1978, o primeiro-ministro israelita Manchem Begin e o chefe de estado egípcio Anwar Al Sadat foram premiados pelo acordo de paz israelo-egípcio, uma traição à resistência palestina. Begin tinha no seu palmarés um atentado à bomba, em 1947, contra o hotel King Davig, em Jerusalém, sede da Autoridade Britânica na Palestina, que causou 91 mortos. Em 1981 ordenou o bombardeamento do reactor nuclear iraquiano de Tammuz. E em 1982 desencadeou a invasão do Líbano e o ataque às posições da OLP. Os massacres dos refugiados palestinos em Sabra e Shatila dão-se nessa ocasião.

Em 1994, o Nobel da Paz volta a destacar a política de dois dirigentes sionistas, Shimon Peres e Yizhak Rabin, por terem assinado com Arafat os Acordos de Oslo, que se revelaram óptimos para consumar a ocupação dos territórios da Palestina e dar mais uma achega à desarticulação da resistência. Rabin era Chefe do Estado-Maior do Exército israelita na guerra de 1967. E era ministro da Defesa em 1987 quando começou a primeira Intifada; ganhou então a alcunha de “Quebra-ossos” por ter ordenado aos soldados israelitas que partissem os ossos aos manifestantes palestinos que atirassem pedras. Peres foi responsável, nos anos de 1950, pelo desenvolvimento da indústria de guerra e pelo programa nuclear israelita. Dirigiu, pela parte israelita, a campanha do Sinai, um ataque militar conjunto da França, do Reino Unido e de Israel ao Egipto quando este país decidiu nacionalizar o canal de Suez, em 1956.

Em 1989 e em 2003 os alvos são a China e o Irão com a entrega do galardão ao Dalai Lama e a Shirin Ebadi.

O prémio dado agora a Barack Obama não escapa a esta lógica de insinuação política. Obama é enaltecido por ter incentivado “a diplomacia” nas relações internacionais. Mas a política de agressão dos EUA, de que se destaca a primazia dada por Obama à guerra no Afeganistão, é passada em silêncio.

Na prática, o prémio saúda a argúcia com que Obama tirou a política norte-americana do isolamento da era Bush, criando entre as principais forças imperialistas mundiais, concretamente a União Europeia, pontos de consenso sobre o curso a dar ao domínio do Planeta.

Para aqueles que, cheios de boa vontade, ainda procuram ver no gesto da Academia Sueca um possível “sinal” para que Obama siga por bom caminho, recomenda-se que atentem no respeito que Kissinger, ou os dirigentes israelitas acima citados, tiveram por tal tipo de sinais.


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