Um espelho do regime

Manuel Raposo — 20 Setembro 2009

alberto_joao_jardim.jpgA mais recente ideia que passou pela cabeça de Alberto João Jardim é uma revisão constitucional que ponha o comunismo fora da lei. Melhor que debater ou comentar o assunto em si (rapidamente esquecido, depois da agitação superficial que suscitou) é avaliar as reacções dos que, não sendo geralmente considerados pela opinião pública palhaços ao nível de Jardim, compõem todavia com ele o campo do regime.

Ferreira Leite, a líder do partido a que pertence o chefete madeirense, achou por bem não se pronunciar “por agora” sobre a questão do comunismo. Mas até à data o PSD não emitiu qualquer posição sobre o assunto, limitando-se simplesmente a deixar que o tema perdesse actualidade. Não admira – da parte de quem teve a brilhante ideia de resolver os problemas do país “suspendendo” a democracia por seis meses, o que significaria proibir não só o comunismo como tudo o que não desse jeito. Não admira, também, da parte de quem acha que a política social do Estado deve ser simplesmente “rasgada”, não por ser miserável como é, mas por ainda ser excessiva aos olhos do patronato.

Também não é de estranhar o silêncio da parte do CDS-PP, um partido que cada vez mais reduz a sua política a questões de polícia e que sugere a cada passo que os males do regime se resolvem com mais rédea larga às forças repressivas.

Mesmo a reacção do PS, exigindo “explicações” a Ferreira Leite, soa a falso, por ser ditada mais pela preocupação de ganhos eleitorais do que propriamente por razões de princípio ou apego à liberdade. Não foi Sócrates que, na linha de Salazar, acusou “os comunistas” de serem os mentores das repetidas manifestações de trabalhadores e de utentes de serviços públicos contra a sua política – tentando acoimar não só os membros do PCP mas toda a oposição de rua? Não foi o seu governo que enviou, por mais de uma vez, agentes da PSP às sedes dos sindicatos nas vésperas de greves e manifestações?

Um comentário de Vasco Pulido Valente no Público de 17 de Julho fornece a pista para entender a “vergonha” (é apenas disso que se trata) sentida pelas “forças democráticas” diante da última saída do bobo. V P Valente lamenta, tal como Jardim, que exista comunismo em Portugal (“Infelizmente, em Portugal, existe comunismo”) que identifica no PCP e no BE. Mas, contra o voluntarismo de Jardim, chama a atenção para os 20% de score eleitoral dessas duas forças partidárias; e daí conclui pela inviabilidade prática da proibição – que, para ser efectiva, diz ele, obrigaria a ter de “instaurar uma ditadura”, no prazo de “dois meses”. É isto que leva Pulido Valente a deduzir que Jardim não pensou “nas consequências” da sua proposta – “para nosso mal e nossa vergonha”.

As imbecilidades que Alberto João Jardim regularmente debita não o impedem de ser um digno representante do regime político em que vivemos. O homem está mais acompanhado do que se pode pensar.


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