É o fim da crise, diz Sócrates

Manuel Raposo — 8 Setembro 2009

rooster_crop_web.jpgTodos perceberam que o fim da crise alardeado por Sócrates soa a propaganda. Para fazer crer que foram as medidas do governo que salvaram a “economia” e o “país”. E, obviamente, para lhe agradecermos o favor. Mas soam igualmente a falso as vozes da oposição que atacam a euforia do primeiro-ministro apenas para daí tirarem dividendos eleitorais. Como a sua política é de curto alcance, atribuem ao governo mesmo aquilo que ele não domina, como é o caso da crise capitalista, para poderem apresentar-se como mais aptos e mais competentes.

Crise sem controlo
Ora, nenhum governo, nenhum órgão mundial de controlo da economia pôde ou poderia evitar a crise, pela simples razão de que ela se inscreve no próprio curso do capitalismo, desencadeando-se quando chega a hora.

O que faz correr o capitalismo não é a satisfação das necessidades da população, mas a
produção de lucro. O sistema tem, assim, em si mesmo, um limite natural que, ciclicamente, se lhe impõe: quando o volume de capital e de bens ultrapassa o que pode ser vendido com ganho, o sistema entra em crise. E a solução é destruir os meios de produção que for preciso para recomeçar a produção em novas condições, mais livre de concorrência.

Um dos principais meios de produção a eliminar é a força de trabalho. O desemprego da massa assalariada é, por isso, sempre, um resultado das crises, dependendo o seu nível da organização e da capacidade de resistência dos trabalhadores.

Recuperar à custa do trabalho
Talvez seja cedo para Sócrates declarar fim da a crise. Mas pode até admitir-se que o lado da crise de que ele fala, o da recuperação dos negócios, dê sinais de melhoria. Isso não altera nada no que respeita ao outro lado da questão, aquele que nos interessa – o da situação da massa trabalhadora.

Os negócios capitalistas podem retomar o caminho ascendente, mas isso não significa que a eliminação de postos de trabalho tenha chegado ao fim. Um certo nível de retoma dos negócios é compatível com o crescimento do desemprego. Mais: uma das condições básicas da retoma será a manutenção de níveis de desemprego mais altos do que eram antes da crise. Por outras palavras, grande parte dos que foram despedidos agora não voltarão a ter trabalho.

A recuperação terá sempre, para os trabalhadores, esta marca negativa: menos emprego, massa salarial mais baixa, maior exploração de quem tenha trabalho.

Despedimentos não param
Os números do desemprego, tanto no país, como lá fora, confirmam isto mesmo.
Nos EUA, por exemplo, os dados oficiais apontam sinais de (embora débil) crescimento económico pelo quarto mês consecutivo. Mas, ao mesmo tempo, o consumo privado diminuiu em Julho como reflexo dos altos níveis de desemprego. Só na primeira semana de Agosto, 558 mil norte-americanos inscreveram-se no desemprego, mais 4 mil que na semana anterior.

Na Europa, o mesmo cenário. A euforia dos meios oficiais perante os míseros sinais de “crescimento” (melhor dito: de abrandamento do declínio económico) não consegue disfarçar os despedimentos contínuos nem as previsões de crescimento do desemprego global nos próximos anos, que vai a caminho dos 10%.

Por cá, o regozijo do primeiro-ministro contrasta mesmo com os dados oficiais que dão conta de ter sido ultrapassada a barreira dos 500 mil desempregados (na verdade, mais de 700 mil), o valor mais alto dos últimos 30 anos. No final do ano, a taxa (oficial) de desemprego pode passar dos 10% (uns 14%, na realidade), prosseguindo pelo menos ao longo de 2010.

Mais miséria no final do ano Confirmando a evidente degradação das condições de vida da população, a Caritas anunciou temer que no último trimestre deste ano se dê um agravamento da fome e demais carências entre grande número de famílias. Precisamente aquelas que foram vítimas de despedimentos ao longo dos últimos meses e que deixarão de receber os subsídios a que tinham direito. Crianças sem creche, idosos sem lar, falta de comida em casa – tudo pode piorar para essas famílias.

A crise que Sócrates deu por finda (a mesma de que falam também PSD e CDS, embora em sentido contrário) não é a desta gente sacrificada.


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