Uma imagem do sistema prisional português

Manuel Raposo (*) — 15 Agosto 2009

25caxiaspresosemluta.jpgEm 16 de Julho, o Tribunal de Oeiras tornou pública a sentença que absolveu dos delitos de que eram acusados (motim, destruição e incêndio) todos os chamados “25 de Caxias”.
A falta de consistência do processo pode medir-se pelo facto de o Ministério Público só ter levado a julgamento 25 dos 180 detidos que participaram nos protestos ocorridos em 1996, e acabasse por pedir a condenação de apenas dois deles. Da parte da defesa, que pediu a absolvição de todos os réus, o acento foi colocado na denúncia das condições que se vivem nas prisões portuguesas. E esse é, de facto, o centro da questão.

Em 23 de Março de 1996, ocorreu na prisão de Caxias – arredores de Lisboa – um protesto de cerca de 180 presos contra as más condições da vida prisional, nomeadamente a sobrelotação das celas. O protesto, pacífico, foi reprimido com brutalidade pelos guardas prisionais que usaram bastões, balas de borracha e gás lacrimogéneo. Nos dias seguintes, os presos foram espancados de modo selectivo e individual, e colocados em regime de segurança. A comunicação social passou a notícia para o público como um “motim em Caxias”.

Os 25 detidos que agora estão a ser julgados, foram apontados pelos serviços prisionais e pelo Ministério Público como os “cabecilhas” do dito “motim”.

Protestos frequentes

Os protestos dos presos nas cadeias portuguesas têm sido frequentes. Muitas das razões desses protestos são as mesmas, o que mostra que alguns dos vícios do sistema prisional permanecem sem alteração. Eis alguns dos casos anteriores à revolta de 1996.

Em 1985, os presos de Vale dos Judeus, 50 km a sul de Lisboa, amotinaram-se em protesto contra os espancamentos sistemáticos infligidos pelos guardas.

Em 1987, a penitenciária de Lisboa revoltou-se espontaneamente contra o espancamento à bastonada de um preso, à vista de todos os demais.

Em 1989, estalou um conflito na cadeia do Linhó, 20 km a oeste de Lisboa, em resultado da morte de um preso que estava em regime de segurança. O director, o subdirector e o médico da cadeia são demitidos em consequência dos acontecimentos.

Em Janeiro de 1994, 18 detidos da cadeia de Coimbra (centro do país) entram em greve de fome exigindo maior proximidade dos seus locais de origem.

25caxias1.jpgSistema prisional à beira da ruptura

Os protestos desenvolvidos neste ano de 1994, em Janeiro e depois em Março, culminam uma sucessão de lutas diversas. O sistema prisional está à beira da ruptura. A insatisfação dos presos é generalizada.

A luta desencadeada em Março de 1994 é cuidadosamente organizada pelos presos que entram em greve de fome em vagas sucessivas de forma a prolongar o protesto. Simultaneamente, fazem chegar informações aos meios de comunicação, que as difundem. A luta alastra a várias prisões do país; centenas de presos aderem à greve da fome.

A organização da luta surpreende os serviços prisionais que tentam quebrar a resistência transferindo e isolando os presos. De novo, a brutalidade vem ao de cima: um detido em greve de fome, Carlos Pereira, transferido de Vale dos Judeus para a penitenciária de Coimbra, apareceu morto nas caves desta cadeia. Até hoje, não se conhecem as circunstâncias da morte.

A luta terminaria em Maio, depois de uma amnistia ter libertado 1500 presos. Pouco tempo depois, em Julho, o director-geral dos Serviços Prisionais, um inspector prisional de carreira, é substituído por um juiz.

A situação é de tal modo grave que o novo director-geral ensaia uma reforma do sistema prisional. Com isso, levanta contra si o ódio das redes mafiosas que impõem a lei dentro das prisões. Demitir-se-ia ano e meio depois dizendo que o sistema prisional tinha “chegado ao fundo” e que tinha sofrido ameaças de morte.

Um quadro de violência

O contexto que prepara a revolta de 1996 em Caxias está a definir-se. A população prisional volta de novo a crescer numa medida que não tem proporção com o aumento da criminalidade e que alguns atribuem a “excesso de zelo” das autoridades policiais e prisionais, juízes e magistrados.

As exigências levantadas pelos presos de Caxias em início de 1996 têm de novo a ver com problemas recorrentes do sistema prisional português: sobrelotação, insalubridade, má alimentação, exploração do trabalho prisional, agressões.

Neste quadro tem especial relevo a violência, física e psicológica, de que os detidos são alvo. A imagem dessa violência traduz-se no número de mortes ocorridas nas cadeias. Os números que conhecemos são escassos, mas elucidativos.

Em 1997, o número de mortos nas cadeias portuguesas foi de 106 por cada 10000, enquanto a média para os 10 piores países do Conselho da Europa (CE) era de 58.
Em 2000, a taxa em Portugal baixou para 60, mas a média nos países do CE foi de 31 e a média dos 10 piores foi de 63.
Em 2005, a mesma taxa subiu de novo em Portugal para 72, atingindo o valor absoluto de 93 mortos, sendo 43 por doença e 35…por razões desconhecidas!
Entre 2003 e 2005, os detidos que cometeram suicídio foram em número de 46 (mais de um por mês).

O país de “brandos costumes”, como os responsáveis do regime fascista apelidavam Portugal, sempre escondeu violências inconfessáveis. Não só as que uma ditadura de 48 anos e uma guerra colonial de 13 anos significaram, mas também aquelas que diariamente atingem o cidadão comum. A violência (e a impunidade) policial é uma dessas marcas de despotismo que transitou da ditadura para a democracia. Não apenas nas prisões, mas também cá fora. Sabem os leitores, por exemplo, que Portugal bate o recorde da Europa no que respeita a mortos a tiro pela polícia em simples acções de policiamento de rua, nomeadamente em perseguições automóveis?

(*) Artigo publicado no jornal espanhol Diagonal (n.º 107, 31.07.09)
Fontes: Direcção Geral dos Serviços Prisionais, Direcção Geral da Administração Interna, organizações de apoios aos presos, Amnistia Internacional.


Comentários dos leitores

josé paulino 22/8/2009, 0:28

É só falar dos reclusos e das suas condições, mas das agressões aos senhores guardario, aos prisionais, nem uma palavra, deviam ter vergonha.
A sério, nem dá para comentar.

Maria Brito 11/12/2009, 19:51

Pelos vistos o crime compensa cada vez mais...pôr as culpas na sociedade é apenas desresponsabilizar os criminosos e não resolver nada.
Porque não há mais gente a preocupar-se com as condições da polícia?


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