Nem Sócrates, nem Ferreira Leite
Quanto menor for a “governabilidade”, mais condições terão os trabalhadores de fazer valer os seus direitos
Manuel Raposo — 16 Julho 2009
Perigo de o país se tornar “ingovernável”, foi o que o PS atirou à cara dos eleitores na própria noite em que soube da derrota nas europeias. Desde então, o mote tem-se repetido em jeito de campanha para assustar os temerosos. É fácil de perceber o propósito: dramatizar o confronto partidário daqui até às eleições legislativas para justificar a necessidade de uma nova maioria absoluta.
O drama não é só do PS, é das classes dirigentes. A maioria absoluta de Sócrates foi para elas um maná: permitiu-lhes fazer da acção do governo um rolo compressor dos direitos dos trabalhadores e uma alavanca para os negócios do capital, como não tinha acontecido desde os governos de Cavaco Silva. Perder esse instrumento é motivo de apreensão geral. Por isso, todos – partidos do poder, patrões, presidente da República, ex-presidentes da República, comentadores a soldo – querem que uma nova maioria absoluta se constitua seja como seja, só com um ou com o número de partidos que for preciso. Pretendem afinal assegurar a continuidade da mesma política dos últimos quatro anos, se necessário com outros figurantes.
Da parte dos trabalhadores o interesse é exactamente o contrário: fragilizar o mais possível o próximo governo de modo a que a sua capacidade de acção fique diminuída.
No plano eleitoral, a resposta à campanha das forças do poder tem de ser, assim, a de recusar nova maioria absoluta seja de quem for; a de diminuir a margem de “legitimidade” que reclamam em resultado do voto; a de rejeitar a política do patronato, desempenhada por Sócrates ou por Ferreira Leite; a de baixar o número de votos de trabalhadores nos partidos da direita. Quanto menos condições de “governabilidade” tiver um próximo governo, mais condições terão os trabalhadores de fazer valer os seus direitos.
Mas, como bem mostram os acontecimentos dos dois últimos anos, foi a demonstração pública, na rua, da aversão dos trabalhadores à política do PS; foram as acções de resistência de diversos sectores profissionais em resposta aos ataques governamentais-patronais; foram os protestos dos utentes dos serviços públicos de saúde, de transportes, de assistência social, de educação contra a perda de direitos – foi toda essa manifestação de descontentamento, iniciada em finais de 2006, que se expressou em 7 de Junho na queda eleitoral do partido do governo.
Será essa, portanto, a via para que se acentue a recusa, não apenas da política levada a cabo por Sócrates, mas em geral da política que o poder patronal quer fazer prosseguir através de qualquer um dos partidos que o representam.