Os trabalhadores da Autoeuropa precisam de apoio, não de críticas
Urbano de Campos — 23 Junho 2009
Depois de terem aplaudido efusivamente o pré-acordo anunciado pela Comissão de Trabalhadores da Autoeuropa no início de Junho, todas as forças do poder (governo, dirigentes partidários, presidente da República, patrões, imprensa…) pressionam agora sem qualquer pudor os trabalhadores para que alterem a decisão, tomada em 17 de Junho, de chumbar o dito pré-acordo. Percebe-se porquê. É que o pré-acordo, uma vez mais negociado debaixo da chantagem de despedimentos, foi conseguido de novo com sacrifício dos direitos dos trabalhadores; e o chumbo rejeita essa chantagem. Claramente, as vozes que condenam os trabalhadores fazem-se eco dos interesses da Volkswagen.
Sem menosprezar as dificuldades que a luta apresenta – bem pelo contrário, tendo em conta a sua enorme dificuldade – o que os trabalhadores da Autoeuropa precisam não é que os convençam a mudar: é que lhes dêem apoio. Esta solidariedade só pode vir de outros trabalhadores, todos eles no fundo confrontados com o mesmo tipo de ameaças.
Os acordos
Os acordos de empresa na AutoEuropa datam de 1994, mas foi em 1999 que a flexibilização do tempo de trabalho foi aceite pela primeira vez.
Quatro anos depois, pressionados pelas ameaças de despedimentos, a maioria dos trabalhadores aceitou que as horas de trabalho fossem ajustadas ao volume da produção, até final de 2005. A fábrica poderia parar durante 35 dias em 2004 e 43 dias em 2005. Foi um acordo saudado por políticos e patrões, que louvaram o nascimento de um sindicalismo “responsável”.
O acordo de 2006 estabeleceu um aumento salarial de 4,5% durante dois anos, mais 1% de actualização no final do acordo. Mas, por cada sábado de trabalho, os trabalhadores passam a receber dois salários em vez de três.
O último acordo aprovado, em Dezembro de 2008, estabeleceu aumentos de 5,8% para os dois anos seguintes e um dia de férias a mais; a administração prometeu não fazer despedimentos colectivos até Outubro de 2010. Meses depois, a VW rompe na prática este acordo exigindo novas concessões da parte dos trabalhadores, nomeadamente sobre o pagamento dos sábados.
Negociação com chantagem
Estes acordos garantiram, até agora, o emprego aos trabalhadores com contrato (mas não no mesmo grau aos temporários). Tem sido esse o principal trunfo, real, invocado pela Comissão de Trabalhadores em defesa do seu procedimento negocial.
Mas, por outro lado, os acordos foram sempre negociados sob pressão, tendo a administração tido o cuidado, em cada caso, de fazer pairar a ameaça de despedimentos ou mesmo de deslocalização da fábrica. A Volkswagen conseguiu assim, sucessivamente, melhores condições de exploração da força de trabalho – chamando a isso “viabilização” da empresa.
Efectivamente, porém, a força de trabalho empregue tem vindo a ser reduzida, uma vez que os trabalhadores temporários (alugados por empresas de trabalho temporário) vão sendo postos na rua. A redução do número de operários corresponderá, em parte, à diminuição das encomendas – mas, noutra parte, significa uma sobrecarga de trabalho para os operários que ficam. Disso mesmo dava conta, já em meados de 2007, uma passagem de um boletim de fábrica (O Faísca, afecto ao PCP) em que se referiam linhas de montagem programadas para dois operadores a funcionar com um apenas. A crítica do boletim, no entanto, ficava-se pela óptica estreita da… “defesa da qualidade do trabalho”, ao ponto de dizer que assim “não se podia fazer bem à primeira” (!) – passando portanto ao lado da questão essencial: o aumento do grau de exploração da força de trabalho.
Também num comentário divulgado num blogue, um trabalhador, acusando a sobrecarga de trabalho, perguntava: “E a nossa vida familiar? E os nossos filhos? E o direito ao descanso?”
Esta pressão dos patrões da VW é sistemática e é interminável. Ano após ano, novas exigências foram sendo colocadas aos trabalhadores, sempre na base da chantagem. Recentemente, como se sabe, chegou-se ao apuro de pretenderem, de novo com o espectro do despedimento e da deslocalização, obter o trabalho ao sábado como se fosse dia normal. Se assim não fosse, garantia a administração, teria de reduzir-se a laboração de dois para um turno – ficando cerca de mil trabalhadores na corda bamba. Atirou assim de novo para o lado dos trabalhadores a “responsabilidade” de garantir o número de postos de trabalho e a permanência da fábrica em Portugal.
Entusiasmo precoce
Em 5 de Junho a Comissão de Trabalhadores anunciou que tinha chegado a um pré-acordo com a administração da empresa, dias depois de António Chora, coordenador da CT, ter defendido, numa entrevista amplamente divulgada pela rádio, televisão e jornais, uma cedência parcial no referido pagamento dos sábados. Nos termos do pré-acordo, os sábados passavam de facto a ser pagos como dias normais, mas com o limite de 6 sábados por ano e com a condição de não serem despedidos 250 trabalhadores temporários.
Comentando o acordo, um porta-voz da Autoeuropa foi inequívoco ao expressar o ponto de vista da empresa, não só quanto ao ganho imediato, como futuro: “É mais um passo para a flexibilidade para fazer frente às oscilações do mercado”. Tradução: demos mais um passo na direcção que pretendemos; outros se seguirão a seu tempo.
Foi patente o entusiasmo do governo e dos patrões. E a CT partilhou do mesmo optimismo valorizando a questão da manutenção dos postos de trabalho. Mas não foi essa a avaliação feita pelos trabalhadores que, em votação realizada a 17 de Junho, reprovaram o pré-acordo por uma maioria de perto de 52 % dos votos.
Aos aplausos da véspera dados à CT sucederam-se as críticas violentas dirigidas aos trabalhadores – por parte do governo, dos partidos do poder, da imprensa da ordem e do inevitável secretário-geral da UGT João Proença. Apenas a CGTP se demarcou destes ataques e defendeu a opção dos trabalhadores.
Algo mudou
Para quem acompanhasse o debate que se travou, por exemplo em alguns blogues, entre trabalhadores da AE desde que a VW rompeu o acordo assinado em Dezembro de 2008, era visível que algo estava a mudar. Na verdade, o tom geral dos comentários sobre as últimas pressões dos patrões da VW era “basta de ceder” – mesmo se as soluções práticas para a luta permaneciam confusas, diante da inegável dificuldade que ela põe. Alguns argumentos, inclusive de membros da lista maioritária da CT, mostravam que estava esgotada a disposição de recuar e que se deveria fazer frente aos patrões de outro modo. Como, não era claro – mas ansiava-se por algo de diferente.
Por exemplo, afirmava um trabalhador (Daniel Arruda) em Maio deste ano: “Chegou a hora dos trabalhadores da Autoeuropa dizerem que basta de serem eles a pagarem os erros de gestão do grupo. Chegou a hora de deixar de baixar a calcinha. Chegou a hora de todos assumirem o que têm de assumir. Quanto à CT. Na minha opinião está ainda a tempo de virar agulhas e ir ao encontro dos anseios da maioria de trabalhadores”. (http://troll-urbano.blogspot.com/2009/05/autoeuropa.html)
Ora, visivelmente, as propostas da CT para o pré-acordo não correspondiam a este estado de espírito, limitando-se a propor mais do mesmo, a sugerir uma outra trincheira mais recuada de resistência. Foi isso que a maioria dos trabalhadores recusou.
União Nacional
Pouco importa aos críticos alinhados com o patronato que o chumbo do pré-acordo tenha sido uma decisão democrática, participada por perto de 90% dos trabalhadores – o que lhes dói é o facto de a maioria ter dito, no fundo, que não aceitava mais cedências. O tom dos que atacam a decisão dos trabalhadores vai no sentido de os apontar como responsáveis pelo que possa acontecer agora – isto é, possíveis despedimentos, ou redução do tempo de laboração para um turno, etc. É um cinismo sem limites.
O ministro da economia, incapaz de dizer seja o que for à VW, espera “do fundo do coração” que os trabalhadores voltem atrás. Sócrates e Ferreira Leite apelam ao “bom senso”, dos trabalhadores claro. Basílio Horta e o ministro do Trabalho confessam-se “muito preocupados”, com o chumbo, não com o pré-acordo. É uma verdadeira união nacional em torno dos interesses da VW disfarçada de preocupação com os trabalhadores.
O disparate chegou ao ponto de o político-empresário Ângelo Correia (ex-ministro da Administração Interna em 1981-83), num frente-a-frente televisivo com o deputado do BE Fernando Rosas, na SIC em 19 de Junho, ter criticado (sem réplica de F. Rosas) a “falta de unidade dos trabalhadores” – que, segundo ele, terá levado os trabalhadores efectivos a votarem contra o pré-acordo por desprezarem a situação dos temporários. Assim, um dos homens que menos interesse pode ter na unidade dos trabalhadores, dá lições de moral sobre unidade…para colocar temporários contra efectivos. Requintado!
No mesmo debate, F. Rosas, que qualificou de “pequena maioria” a maioria que decidiu chumbar o pré-acordo, defendeu que as negociações se deveriam manter a todo o custo e sugeriu que a decisão da maioria contra o acordo possa vir a ser modificada, dando exemplo de casos anteriores em que a CT foi derrotada às primeiras. Não se lhe ouviu um incentivo à maioria de trabalhadores que optou por fazer frente à chantagem dos patrões da VW, secundados pelas forças do poder. Também requintado, à sua maneira!
Mobilização e solidariedade, mais do que nunca
Mesmo a CT, que se mostrou “surpreendida” com o resultado da votação (por falta de auscultação do pensamento dos trabalhadores?), mostrou-se mais resignada com a decisão do que propriamente decidida a encabeçar a luta nos termos em que ela agora se parece pôr.
Na verdade, o ónus de manter os postos de trabalho – que os patrões da VW sempre atiraram para cima dos trabalhadores – deve ser colocado onde sempre deveria ter estado: na administração da VW. Foi isso que a maioria dos trabalhadores da Autoeuropa significou com o seu voto. E é isso que há que saudar.
Vale a pena terminar citando a opinião de um trabalhador, divulgada também em Maio deste ano no referido blogue Troll-Urbano, em discussão sobre a luta que estava a desenrolar-se, porque essa opinião parece-nos resumir bem o caminho para superar as dificuldades da luta:
“Não se pode ir de recuo em recuo, até à derrota final. Também não é possível ir de avanço em avanço até cair no abismo. A mobilização dos trabalhadores é mais que nunca necessária, se o patronato sentir que há unidade, pode fazer uma retirada estratégica, mas se houver divisão, pois a perspectiva do desemprego é má conselheira, então é certo e sabido que está traçado o caminho para a derrota. E aí perderão todos. Conseguir essa unidade é neste momento a grande batalha, pois só ela garante alguma possibilidade de êxito”.
Comentários dos leitores
•Membrodopovo 23/6/2009, 19:39
“foi um acto de dignidade de classe dos trabalhadores, que não são manipuláveis nem foram influenciados por este ou por aquele e determinaram, cada um por si, o seu próprio voto” Jerónimo de Sousa.
Parem de meter os políticos todos no mesmo saco! Que não sejam comunistas eu compreendo, mas que façam parte da desinformação que reina neste país isso já é contestável. É até inadmissível que um jornal dito popular, progressista, revolucionário e socialista, acuse de forma tão leviana as restantes forças populares, progressistas, revolucionárias e socialistas.
•Urbano de Campos 24/6/2009, 14:52
Não conhecia a afirmação de Jerónimo de Sousa que o leitor Membrodopovo cita; só por isso não a referi. Sendo assim, só posso concordar com o que ele disse, e acrescentar isso à posição da CGTP, mencionada no artigo.
De qualquer modo, parece-me evidente, para quem leia o artigo com olhos de ver, que o meu propósito foi o de apoiar a posição assumida pelos trabalhadores e condenar aqueles que os criticam; concretamente as diversas forças do poder. Pelos vistos, o leitor só se preocupou em ver se a afirmação do secretário-geral do PCP vinha devidamente citada ou não. E daí passa a acusações perfeitamente gratuitas.
De onde é que o amigo Membrodopovo deduz que estamos a meter os políticos todos no mesmo saco? E como é que conclui que não somos comunistas? Ou comunistas são só os filiados no PCP? Em que é que o artigo "desinforma", se o que nele se diz é precisamente para destacar a posição independente dos trabalhadores da Autoeuropa? E onde é que acusamos, e de quê, as forças populares, etc?
Convido o amigo Membrodopovo a ler o artigo por inteiro e a esclarecer-me sobre o que diz.
Saudações,
Urbano de Campos
•HEITOR DA SILVA 27/6/2009, 0:05
AQUI O Q APETECE DIZER É Q A LUTA DE CLASSES ESTÁ AUSENTE.
È A POLÍTICA DO POSSÍVEL E DO MAL MENOR QUE CONDUZ À MORTE SEGURA QUE PODE SER A MÉDIO OU A LONGO PRAZO. ISTON POR PARTE DOS TRABALHADORES CUJOS DIRIGENTES DEVEM SENTIR-SE BEM DE CONSCI