“Patrões, não pagaremos a vossa crise!”

Manuel Vaz (em Paris) — 19 Abril 2009

patraosequestro1_72dpi.jpgA crise aguda do sistema capitalista conduz os actores políticos e económicos da burguesia a batalhar em diversas frentes para suster o fim do mundo (capitalista): introdução maciça de capitais no sistema bancário ameaçado de falência, nacionalizações parciais ou totais do sector, destruição de capital pela baixa acentuada do preço das mercadorias em super-abundância, supressão ou paralisação de segmentos inteiros da produção.

E, como consequência destas medidas urgentes, nesta fase em que as relações capital/trabalho se vão agudizando e que não se sabe para qual dos dois lados vai tender a superação da crise – revolução ou contra-revolução – o patronato, com o apoio do Estado, lança novos planos de “reestruturação”, novos “planos sociais”, que não são outra coisa que a destruição maciça de trabalho: o desemprego tornou-se endémico. O desemprego surge como um flagelo que fustiga de alto a baixo os trabalhadores de todos os sectores económicos, produtivos e não produtivos, como se assistíssemos ao irresistível desmoronar de um imenso castelo de cartas…

Mais de 3 milhões nas ruas
Mas, pouco a pouco, a resposta inequívoca dos trabalhadores vai surgindo com determinação: patrões, não pagaremos a vossa crise!

As manifestações nacionais de 29 de Janeiro e 19 de Março paralisaram o país e puseram na rua, em cada uma destas ocasiões, mais de 3 milhões de trabalhadores dos sectores público e privado. Uma resposta oportuna, um grande sucesso! Um sucesso apenas ensombrado pelas tentativas de enquadramento sindical, que tenta canalizar o movimento para a mesa das negociações em presença de todos os “parceiros sociais”, em vez de chamar a massa para a greve geral ou outra forma de luta superior como o sugerem, aqui e acolá, os trabalhadores revolucionários nos plenários.

Os sindicatos, cada vez mais numerosos e divididos, com uma fraquíssima implantação na base (pois não afiliam mais que 7% da massa salarial), são essencialmente aparelhos burocráticos reduzidos a um corpo de funcionários permanentes e de representantes do pessoal vindos das eleições profissionais: esta catástrofe é com certeza a herança mais visível da colaboração de classes em que soçobrou o movimento comunista iniciado com a revolução de Outubro.

A resposta do poder é: repressão
Se a reacção dos trabalhadores é sem peias, a contra-resposta do governo não deixa margem para dúvidas: repressão, repressão!

Conscientes da agudização do combate de classe, os trabalhadores têm vindo a denunciar com uma certa constância tal perigo. “Police partout, justice nulle part !” (Polícia por todo o lado, justiça em nenhum lado) – grita-se em todas as lutas e manifestações, e em particular desde que a classe dominante escolheu como seu principal estratega político o neo-bonapartista Sarkozy, colocado à cabeça do Estado nas últimas eleições presidenciais.

A polícia e o exército (únicos sectores que oferecem “trabalho” aos proletários) invadem todo o espaço público. A intimidação policial e judicial de qualquer forma de contestação da ordem estabelecida e a criminalização da luta social – eis o único plano rigoroso do Estado. Tudo o mais é gesticulação e barafunda para tentar acreditar a ideia de que o governo, e em especial o seu principal governante, são providenciais, «salvadores do emprego» e defensores do «bem comum»… Sarkozy, permanentemente sob as luzes da ribalta, surge aqui como um espantalho mafioso, mais adiante como um tenebroso anjo salvador, conforme as circunstâncias o exigem.

Uma luta histórica em Guadalupe
Assinalemos antes de mais, que todos os sectores se encontram mobilizados, com um relevo muito especial para a Universidade, em luta desde 13 de Janeiro contra as reestruturações calamitosas previstas pela ministra Valerie Pecresse que põem em perigo o ensino superior como serviço público. A ronda infinita dos obstinados, como se denominam os estudantes em luta, multiplica greves, ocupações, sequestros e organiza, hoje mesmo (8 de Abril) a décima manifestação nacional.

Os 38 dias de greve geral na ilha de Guadalupe contra a “pwofitasyon” (exploração), dirigida pelo colectivo do 5 Fevereiro 2009, foram uma luta histórica que rematou numa vitória incontestável: governo e patronato recuaram e satisfizeram nada mais nada menos que 236 reivindicações. E sobretudo, o campo popular unificou-se no seio do PKLS, uma frente inédita que reúne partidos, sindicatos e associações na base dum programa de reivindicações comum que abrange todos os sectores da vida económica e social!

patraosequestro72dpi.jpgFormas que a luta reveste
Como a greve, a manifestação de rua, a negociação sindical por si sós se revelam inoperantes, incapazes de fazer recuar o governo e o patronato, os trabalhadores, e em particular os operários, lançam mãos a uma forma de luta mais radical: o sequestro dos patrões! E com um certo sucesso!

Esta forma de luta não é propriamente uma novidade no mundo do trabalho. Para não ir mais longe que os anos 70, com o início da actual crise sistémica e o aparecimento súbito do desemprego – após um longo período de expansão capitalista conhecido vulgarmente pelo nome “dos gloriosos trinta” – os sequestros dos patrões e a destruição dos instrumentos de trabalho inspiram a luta em geral e a luta operária em particular.

Recordemos algumas dessas etapas que marcaram o movimento e que ainda tem repercussões nos nossos dias:

2000 – Os operários da Cellatex, nas Ardenas, ocupam a fábrica e ameaçam lançar ao rio Meuse, que passa ao lado das instalações, o stock dos produtos químicos entrepostos na empresa.

Março 2003 – Os operários da Daewoo em Longwy (Meurthe-et-Moselle) sequestram os quadros dirigentes, ameaçam espalhar os produtos químicos no solo e acabam por incendiar a fábrica.

Maio 2003 – Os “Mossley” de Hellemmes (Nord – Pas de Calais) ocupam a fábrica e apoderam-se de um “tesouro de guerra”: 300 toneladas de fio no valor de 3 milhões de euros.

Fevereiro 2008 – Os operários de BRS de Devecey (Doubs) sequestram o patrão que tinha tentado pela calada deslocalizar a fábrica e máquinas para a Eslováquia.

Março 2008 – Os operários da fábrica de pneus Kléber (Meurthe-et-Moselle) sequestram quadros dirigentes da empresa para obter indemnizações de despedimento mais favoráveis.

Janeiro 2009 – Os operários da Fulmen, empresa do grupo Exide Technologies, construtor de baterias para o sector automóvel, aproveitam o dia de greve nacional do 29 de Janeiro para forçar o director geral a acompanhá-los na manifestação pública, envergando uma t-shirt onde figura o número de despedimentos previsto pelo grupo. Uma semana antes, os operários tinham tomado conhecimento que a fábrica ia fechar.

O sequestro dos patrões
A partir do mês de Março, o sequestro dos patrões passou a ser a resposta usual dos trabalhadores ao encerramento de empresas e ao anúncio de novos planos de despedimentos. Passemos em revista os principais acontecimentos:

A 13 de Março, o director geral da fábrica Sony France de Pontonx-sur-l’Adour (Landes) é sequestrado, os 311 operários despedios exigem indemnizações idênticas àquelas que obtiveram os seus camaradas da fábrica de Ribeauvillé (Haut-Rhin).

De 24 a 26 de Março, o patrão da 3M (Pithiviers no Loiret), empresa química e de produtos farmacêuticos que emprega 235 operários, é sequestrado depois de anunciar a supressão de 110 postos de trabalho e a deslocalização de 40 outros.

A 31 de Março, o nababo François-Henri Pinault, presidente do grupo PPR (Fnac, Printemps, Conforama) é sequestrado dentro do seu táxi numa rua de Paris por 80 trabalhadores que o aguardavam à saída da reunião do Comité de Empresa europeu do grupo. Pinault já tinha anunciado um “plano de economias” que ira suprimir 1 200 postos de trabalho na Fnac e na Conforama.

No mesmo dia, 31 de Março, várias centenas de operários ocupam a sede da empresa Caterpillar France e sequestram o director geral e quatro quadros dirigentes. O grupo norte-americano, que emprega 113 mil trabalhadores no mundo inteiro, vai suprimir 24 mil postos de trabalho. Em França, sob pretexto de uma quebra de 55% nas encomendas, o grupo despede 733 dos 2 500 trabalhadores das fábricas de Grenoble e Echirolles.

patraosequestro2_3m_72dpi.jpgVulneráveis
Esta vaga actual de sequestros vai de vento em popa, tanto mais que nestas circunstâncias os patrões são muito mais vulneráveis e reconhecem rapidamente a legitimidade total ou parcial das reivindicações. E isto apesar das ameaças proferidas por Sarkozy (convém saber que o sequestro, mesmo breve, é punido pela lei com uma pena de 5 anos de prisão e uma multa de 75 mil euros).

Tais “agentes económicos” visados pelos sequestros (directores gerais e outros altos quadros dirigentes) não são simples “assalariados” que se limitam a ganhar um pouco mais que o comum dos mortais… Os principais quadros dirigentes das empresas monopolistas são autênticos capitalistas operacionais por oposição aos capitalistas “passivos” que não passam de “simples” detentores de capital por acções. Estes agentes vitais do capital monopolista, captam uma parte da mais-valia extraída aos operários, sob a forma de uma remuneração anual (variável em função do tamanho da empresa e dos benefícios obtidos) que pode rondar, segundo as contas da própria imprensa do patronato, o equivalente a 3 a 12… séculos de salário mínimo nacional (o smic), que atinge neste momento a soma de 1 150 euros mensais, um valor miserável para o custo de vida francês.

Esta vaga de sequestros acontece num momento em que o governo tem a ousadia, ao abrigo do chamado “escudo fiscal”, de restituir a 834 dos 14 mil homens mais ricos do país (isto é, contribuintes com um património fiscal declarado superior a 15,5 milhões de euros) um cheque no valor 358 261 euros, o equivalente a 30 anos de salário mínimo… Acrescente-se que o total das restituições de impostos aos mais ricos do país atinge agora a bonita soma de 458 milhões de euros!

Convém recordar, tendo em atenção os mais despassarados, que toda esta riqueza (escandalosa e desumanamente distribuída) nos pertence integralmente, porque é simplesmente o produto do trabalho social.
“Tout est a nous” (É tudo nosso), é aliás o título de um novo jornal revolucionário que acaba de surgir nas bancas…


Comentários dos leitores

Eugénio Calado 20/4/2009, 12:47

“Tout est a nous”, jornal revolucionário? Não é o jornal do novo Partido Anticapitalista?

vaz 27/4/2009, 8:55

exacto


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