A esquerda e o apoio à resistência anti-imperialista

Nadine Rosa-Rosso / MV — 19 Março 2009

forumbeyrouth.jpgTeve lugar, em 17 de Janeiro deste ano, o Fórum Internacional de Beirute, dedicado à resistência, ao anti-imperialismo, à solidariedade dos povos e às alternativas que se lhes colocam. A militante comunista belga Nadine Rosa-Rosso proferiu uma importante intervenção de que apresentamos um resumo das principais passagens.

As manifestações massivas na Europa em apoio do povo de Gaza puseram de novo em evidência um problema central: a maioria da esquerda, incluindo os comunistas, aceita apoiar o povo de Gaza face à agressão israelita mas recusa apoiar as suas expressões políticas, como o Hamas na Palestina ou o Hezbolah no Líbano.
A esquerda não só não os apoia, como os denuncia e os combate. O seu apoio ao povo de Gaza situa-se no plano humanitário e não no plano político.
No que respeita ao Hamas e ao Hezbolah a principal preocupação da esquerda é o apoio das massas árabes a estas formações e não a intenção deliberada de Israel de as aniquilar.

Dois factores paralisam a esquerda no seu apoio à resistência palestiniana, libanesa e mais geralmente árabe e/ou muçulmana: a religião e o terrorismo.

A esquerda e a religião

Apavorada com os sentimentos religiosos presentes nas massas populares imigradas, a esquerda, marxista ou não, arvora regularmente a célebre frase de Marx “A religião é o ópio do povo”. Pensa com isso dizer tudo. Como se fosse preciso, antes de mais, submeter o povo a uma séria cura de desintoxicação. Gostaria de ler a citação de Marx que termina com aquela conclusão para ao menos fazer reflectir aqueles que dele se reivindicam.

«A religião é a teoria geral deste mundo, (…) a sua lógica sob forma popular, o seu ponto de honra espiritualista, o seu entusiasmo, a sua sanção moral, o seu comportamento solene, a sua razão geral de consolação e de justificação. (…) A miséria religiosa é ao mesmo tempo a expressão da miséria real e por outro lado o protesto contra essa miséria. A religião é o suspiro da criatura amesquinhada, o coração dum homem sem coração, o espírito dos tempos privados de espírito. É o ópio do povo…»

A esquerda faz exactamente o mesmo que condena nos islamistas: só analisa a situação em termos religiosos. Recusa entender os propósitos religiosos como um “protesto contra a miséria”. E, poderia acrescentar-se hoje, contra o imperialismo, o colonialismo e o neocolonialismo. Com esta recusa, a esquerda separa-se totalmente duma imensa parte das massas populares.

Se persistirmos na recusa de aprender a compreender, passaremos o resto da vida a lamentar os sentimentos religiosos das massas em lugar de nos juntarmos a elas no seu combate pela paz, a independência e a justiça social e económica.

Se deixamos de nos fixar nas convicções religiosas, poderemos talvez perceber porque é que as massas árabes e muçulmanas chamam “zero” a um dirigente árabe e muçulmano como Mubarak e aclamam o nome de Chávez, um dirigente latino-americano e cristão. Não é verdade que estas massas mostram assim claramente que a sua grelha de leitura não é, em primeiro lugar, a religião, mas sim a posição a respeito do imperialismo norte-americano e sionista? E se a esquerda pusesse a questão radicalmente nestes termos não poderia recuperar um pouco do apoio popular que fez a sua força?

A esquerda e o terrorismo

A segunda grande fonte de paralisia da esquerda no combate anti-imperialista é o pânico de ser assimilada ao terrorismo.

Toda a história da colonização e da descolonização é uma história de terras roubadas pela força militar e reconquistadas pela força. Da Argélia ao Vietname, de Cuba à África do Sul, do Congo à Palestina nenhuma potência colonizadora renunciou pela negociação e pelo diálogo políticos à sua dominação.

Para a esquerda europeia continuam a ser incompreendidos e indefensáveis a necessidade e o direito dos povos a recuperar pela força o que lhes foi roubado pela força. Porque depois do 11 de Setembro de 2001 todo o uso da força na luta anticolonial e anti-imperialista é arrumado na categoria “terrorismo” – e nem se discute.

Importa, no entanto, lembrar que o Hamas foi colocado pelos EUA na lista das organizações terroristas em 1995, bem antes do 11 de Setembro.
Mas foi sobretudo depois do 11 de Setembro, com o lançamento pela administração Bush da “guerra global ao terror”, que a capitulação de uma grande parte da esquerda começou. O medo de ser classificado entre os terroristas ou entre os partidários do terrorismo já não é apenas político ou ideológico, é também prático. A directiva da União Europeia para a luta contra as organizações terroristas foi traduzida para a maior parte das legislações nacionais pelo método “copiar-colar”, permitindo aos tribunais processar muitos militantes suspeitos de apoiarem o terrorismo.

Nestas condições, a luta política entre a esquerda e correntes como o Hamas e o Hezbolah não pode ser conduzida de forma sã.
Tenho portanto uma proposta concreta a fazer: devemos lançar um apelo para fazer retirar o Hamas da lista das organizações terroristas. E devemos opor-nos às actuais tentativas europeias para colocar o Hezbolah nessa lista. É o mínimo que podemos fazer se pretendemos apoiar a resistência palestiniana, libanesa ou árabe. É a condição democrática mínima para que um apoio à resistência seja possível e para que uma confrontação entre correntes políticas diferentes no seio da resistência ao imperialismo seja possível. É a condição política indispensável para que a esquerda tenha a mínima hipótese de se fazer escutar pelas massas em luta contra o imperialismo.”


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