Lucros máximos, salários mínimos
Lições da negociação salarial da EDP e REN
Urbano de Campos — 9 Março 2009
Em meados de Fevereiro, a Fiequimetal (Federação Intersindical das Indústrias Metalúrgica, Química, Farmacêutica, Eléctrica, Energias e Minas) acusou a EDP e a REN de quererem apressar a negociação da revisão salarial que estava em curso. A razão era fechar o acordo antes de serem conhecidos os lucros das empresas, que se imaginavam já de grande monta, evitando assim que os sindicatos ganhassem razão para maiores exigências. Os valores que estavam em causa na negociação eram bastante afastados: a comissão negociadora que representa os grupos EDP e REN propunha aumentos que iam de zero (para os escalões mais altos) a 1,6 por cento; enquanto os sindicatos exigiam 7 por cento.
Os valores dos aumentos propostos pelas empresas, que se situavam abaixo da taxa de inflação, ficaram sem qualquer defesa quando, em 5 de Março, foram anunciados os lucros recorde da EDP e da REN. E ficou igualmente sem justificação a decisão de aumentar as tarifas aos consumidores em 4,9 por cento. Em ambos os casos, salários e tarifas, a desculpa da comissão negociadora da parte empresarial era a de que a crise assim o determinava.
Os lucros de 2008 ultrapassaram, no caso da EDP, os 1 212 milhões de euros, um recorde absoluto; e, no caso da REN, os 127 milhões de euros. No conjunto das duas empresas, isto representou um aumento de 15 por cento em relação ao ano anterior.
Com base nestes dados, os sindicatos argumentam com o que se tornou evidente: não é por falta de condições económicas que as empresas não querem subir as propostas de aumentos salariais; e que insistem em subir as tarifas. Prova disso é o facto de, em contraste, os rendimentos dos administradores e a remuneração dos accionistas serem tratados em conformidade com os lucros.
Com efeito, o Plano Estratégico da EDP para 2009-2012, como afirma a federação sindical, prevê o aumento contínuo dos dividendos dos accionistas. Também, segundo as contas de 2007, o presidente do Conselho de Administração Executivo (CAE) ganhou por dia mais do que ganham, num mês, os trabalhadores que auferem a remuneração-base mais elevada; e mais do dobro da remuneração-base média mensal no Grupo EDP. E cada um dos seis vogais do mesmo CAE recebeu 80 por cento do valor atribuído ao presidente.
E caso a próxima assembleia de accionistas, como é de esperar, mantenha a mesma política de “compensação dos administradores”, o escândalo será ainda maior, como bem dizem os sindicatos, porque essa compensação variável terá o dobro do valor (soma dos prémios anuais e plurianuais) em 2008.
Divulgados com pompa, por administradores ufanos, perante a comunicação social e convidados, os “resultados históricos “ da EDP foram motivo de uma concentração à porta da empresa por parte dos trabalhadores, reclamando melhores salários.
Comentamos nós: Não são os factos narrados motivo mais do que suficiente para justificar uma forte mobilização dos trabalhadores para pôr fim a este regabofe? Não constituem eles razão bastante, não só para “esclarecer” a comunicação social e protestar do lado de fora da porta, mas para estragar mesmo a festa a esta gente? Não são eles razão, não apenas para reclamar uma melhor repartição da riqueza criada, mas para fazer revoltar cada vez mais trabalhadores contra o regime à sombra do qual tudo isto se repete, geração atrás de geração?
É que factos como estes, passados em momentos de crise do capitalismo como o que se atravessa, têm a vantagem de mostrar, com mais clareza que nunca, a oposição radical de interesses entre quem trabalha e quem explora. Saibam os assalariados responder a isso.
Urbano de Campos