O massacre de Bombaim

Manuel Raposo — 21 Dezembro 2008

condirice72dpi.jpgCom os dados que vieram a público não é possível saber ao certo quem promoveu os atentados em Bombaim e para que fins. Como também não se sabe quem terá provocado os atentados que, dias depois, mataram dezenas de pessoas no Paquistão. As acusações mútuas entre Índia e Paquistão de que os responsáveis pelas chacinas se encontram do outro lado da fronteira podem querer dizer que alguém procura espicaçar ódios de ambas as partes.

Sabe-se que existe um profundo confronto de classes na Índia, motivado por gritantes diferenças sociais e confundido pelos credos religiosos. Existem 150 milhões de muçulmanos no país e a sua vida não é fácil. Tornou-se comum falar de extremismo islâmico, mas esconde-se o extremismo hindu, de igual cariz e potenciado pelo facto de os hindus serem a larga maioria da população.
Fala-se quase nada do facto de Índia e Paquistão terem constituído um único território, separado em 1947 em dois estados por obra do colonialismo britânico que operou – diante da inevitável independência da Índia – uma maciça separação étnica e religiosa entre muçulmanos e hindus.

Estas raízes contam certamente para os conflitos políticos na região. Mas quanto contam por si sós não se saberá ao certo – porque no mundo de hoje os conflitos de natureza local ou regional, sobretudo em zonas de importância estratégica como é o caso, são estimulados pelas potências externas em função dos seus interesses. Mas mesmo sem poder fazer uma avaliação segura dos acontecimentos, é possível colocar no tabuleiro alguns dados que ajudam a entender a moldura do problema.

Primeiro. A Índia é o principal aliado dos EUA na região. Acordos de colaboração militar existem entre os dois países; manobras navais de grande envergadura foram realizadas no oceano Índico pelas forças armadas dos dois países. Os EUA fornecem à Índia armamento e tecnologia nuclear, violando aliás o Tratado de Não Proliferação Nuclear, que a Índia não subscreveu. Os EUA pretendem que a Índia constitua um contraponto ao peso da China.

Segundo. O estado de guerra latente que existe entre a Índia e o Paquistão desde há 60 anos tem permitido às potências ocidentais, principalmente aos EUA, jogar influências dos dois lados da fronteira para condicionar a política de ambos os países. Neste momento, a instabilidade política do Paquistão e a turbulenta mudança do regime ali verificada leva os EUA a ver neste país um Estado que pode escapar ao seu controlo e que por isso pode ter de ser pressionado a partir de fora. Ninguém melhor que a Índia para o fazer.

Terceiro. Os EUA e a Nato fizeram do Paquistão uma base de apoio à guerra que conduzem no Afeganistão, por ali fazendo passar armamento e abastecimentos. Mas a forte ligação entre parte das populações do Afeganistão e do Paquistão (com milhares de quilómetros de fronteira comum) permite à resistência afegã ter no país vizinho uma importante retaguarda. O Paquistão tornou-se assim um território de confronto entre as forças da Nato/EUA e a guerrilha afegã. Prova recente, são os ataques a bases da Nato situadas no Paquistão: mais de 100 camiões com abastecimentos e material militar foram destruídos no passado dia 7 de Dezembro, em Peshawar (norte do país), por combatentes afegãos, menos de uma semana após outros 10 terem tido o mesmo destino. O facto de a resistência estar a ganhar a guerra no Afeganistão torna a situação paquistanesa ainda mais vital para as potências ocidentais.

Quarto. O recém-eleito Barack Obama não escondeu durante a campanha eleitoral o propósito de atacar militarmente o Paquistão se isso fosse preciso para “matar Bin Laden”. Essa tecla foi por ele sistematicamente batida em “troca” da retirada do Iraque. Ora esta prometida deslocação de forças do Iraque para o Afeganistão não tem a ver com os perigos de “terrorismo”, mas mais uma vez com a vizinhança da China e com o dispositivo militar que os EUA vêm montando na Ásia Central.

Nas actuais condições, em que o novo governo paquistanês procura consolidar-se, não é certamente ao Paquistão que interessa um conflito com a Índia, como o que resultaria se se provassem as acusações de que os ataques foram planeados a partir do Paquistão. Mas, mesmo sabendo-se agora que pelo menos uma parte dos apoios à acção terrorista de Bombaim veio de indianos, as pressões da parte da Índia crescem de tom acusando o regime paquistanês de “inacção face aos grupos terroristas” – exactamente a mesma acusação que os EUA vêm fazendo ao governo de Islamabad. Esta pressão, de resto, foi repetida pelo senador McCain (“de visita” ao Paquistão) junto do governo paquistanês, depois de visitas com os mesmos fins feitas pelo chefe do Estado-Maior dos EUA e pela secretária de Estado Condoleezza Rice.


Comentários dos leitores

carmélio 24/12/2008, 2:57

Manuel,
Na sua opinião, a importância estratégica daquela região é apenas que "os EUA pretendem que a Índia constitua um contraponto ao peso da China?"
Eu duvido! E a dívida à China? E as matérias-primas necessárias à indústria chinesa?
Desejo-lhe muita força para combater essa canalha.
C

mraposo 30/12/2008, 17:12

Carmélio:
Quando digo que os EUA querem que a Índia seja um contraponto à China não me refiro apenas ao aspecto militar. Nem que o seja apenas contra a China. A posição geográfica da Índia e o seu gigantismo fazem dela um centro de apoio vital para o imperialismo em toda a região. Mas creio não haver dúvidas de que a China é, no quadro regional, a potência que mais inquieta o Ocidente, particularmente os EUA.
Não percebo bem o que pretende significar quando fala da dívida e das matérias primas. Quer precisar melhor?
Força também para si.
Manuel Raposo


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