Só se perderam os que caíram no chão
Estudantes e professores querem ver pelas costas a ministra da Educação
Manuel Raposo — 19 Novembro 2008
O presidente da República, o presidente da Associação Nacional de Pais (paga com dinheiros do governo), os defensores da ordem a todo o custo, a imprensa reverente apressaram-se a condenar o ataque, com ovos e tomates, que os estudantes do ensino secundário fizeram à ministra e aos secretários de Estado da Educação. A condenação é inútil e soa a pânico.
A acção dos estudantes mostra que existe uma revolta latente entre os jovens a ponto de convocatórias por SMS reunirem, por todo o país, milhares de estudantes, que fecharam as escolas a cadeado e ousaram enfrentar o poder sem rodeios. Juntamente com as duas grandes manifestações de professores realizadas no prazo de uma semana (para as quais foi fundamental o amplo trabalho informativo e de base efectuado), esta entrada na liça dos estudantes do secundário provocou um arrepio nos meios do poder.
Percebe-se porquê: se a luta dos professores, já por si, mostra ter retomado o fôlego de há seis meses e não desarmar, com o apoio dos estudantes ela pode tornar-se imbatível. O que significaria, com toda a probabilidade, a demissão da ministra e o congelamento da política do governo para o ensino.
Apesar de não terem lançado ovos à ministra, a luta dos professores parece estar a subir de tom. Em entrevista à SIC-Notícias dada poucas horas depois da manifestação do dia 15, uma professora e um professor mostraram sem peias o seu repúdio pela política do ministério da Educação e não hesitaram em chamar mentirosos, incompetentes, cínicos, falhos de carácter à ministra e aos seus secretários de Estado.
Todo este ambiente explosivo leva a que os apoios à ministra dêem mostras de começar a faltar. Sócrates já admite haver alguma burocracia no sistema de avaliação dos professores e sugere mais “flexibilidade”. António Costa (presidente da Câmara de Lisboa) alerta para o perigo de o PS perder a maioria absoluta por causa da ministra, o que quer dizer “livremo-nos dela enquanto é tempo”. Alberto Martins (líder parlamentar do PS) diz que importa manter “os princípios” mas ser mais ágil “na prática”.
Até os bispos portugueses reunidos no final da semana acharam por bem emitir uma posição comum no sentido de evitar a “perturbação social” que a luta dos professores, agora apimentada com a dos estudantes, ameaça criar. Mesmo as críticas que a oposição de direita faz ao ministério têm mais a ver com o receio de uma luta generalizada de estudantes e professores do que com uma rejeição da política do governo para o ensino.
O grau a que a luta chegou não deixa margem de manobra à ministra e estreita a margem do próprio Sócrates. Os professores (e os estudantes) reclamam agora abertamente a demissão da ministra. Esperemos que não haja – como chegou a acontecer em Maio-Junho, mesmo entre delegados sindicais, depois da primeira grande manifestação dos professores – quem hesite em levar a luta até à queda da ministra com o argumento de que depois “pode ser ainda pior”. Se a ministra cair por efeito das acções de rua dos professores e dos estudantes, pelo boicote ao processo de avaliação, pela greve às aulas de professores e alunos, o governo não terá condições para levar a cabo a sua actual política e menos ainda outra pior. Haja quem não tema passar os limites das conveniências!
Comentários dos leitores
•Ismael Pires 21/11/2008, 19:39
A governação de Sócrates tem-se caracterizado pelo maior ataque alguma vez desferido contra os serviços públicos em Portugal. Os sectores onde este ataque mais se fez sentir foram sem dúvida os da Saúde e da Educação. Só a luta das populações conseguiu afastar Correia de Campos. Também agora só a luta dos professores, pais e alunos conseguirá demitir a ministra Maria de Lurdes Rodrigues e travar o descalabro para onde ela está a conduzir o ensino em Portugal.
O caos nas escolas já está à vista de todos. Como estiveram as mortes causadas pelo encerramento de serviços e as falhas na rede de emergência, aquando da saída de Correia de Campos. Mas os aspectos menos visíveis da sua sinistra actuação só com o tempo se virão a revelar. Como acontece agora com as políticas de Correia de Campos.
Um relatório recentemente divulgado pela Health Consumer Powerhouse que analisa e compara os serviços de saúde na Europa e o seu desempenho ao longo do tempo mostra, sem margem para dúvidas, que os portugueses tinham razão quando contestaram e afastaram Correia de Campos.
Não é por acaso que este relatório passou quase despercebido na comunicação social. Nem é por acaso que não mereceu qualquer comentário dos responsáveis pelas políticas de saúde em Portugal. Ele mostra de uma forma nua e crua o que o Governo PS fez com as reformas na saúde.
As políticas de saúde do governo de Sócrates conseguiram atirar Portugal para o fundo da tabela de classificação situando-nos agora ao nível da Roménia, Bulgária e Polónia. Em apenas dois anos Portugal caiu do 16º lugar na classificação para o 26º no conjunto dos 31 países europeus analisados. Pior era difícil. Com a educação vamos seguramente no mesmo caminho.
Só com a nossa luta se pode inverter o rumo traçado para o país por José Sócrates. Só com a nossa luta se podem defender os serviços públicos. Só com a nossa luta conseguiremos escapar ao desastre para onde nos querem empurrar.
Ler relatório completo (em inglês) e comunicado de imprensa (em português) no site da Health Consumer Powerhouse:
http://www.healthpowerhouse.com/index.php