Apoios às PME não se destinam aos trabalhadores

Manuel Raposo — 7 Outubro 2008

camionista72dpi.jpgNo mesmo dia em que Ferreira Leite criticava o governo por não apoiar as pequenas e médias empresas, o governo destinava mais 400 milhões de euros de crédito para as ditas PME, depois de outros 750 milhões se terem esgotado em pouco tempo.
A imprensa brincou com a coincidência, dizendo, conforme a cor, ora que o PS ia a reboque do PSD, ora que as propostas do PSD eram tardias e inúteis. Mas há algo mais do que este lado anedótico. Independentemente de ser o PS ou o PSD a propor ou a fazer, o certo é que o poder abre os cordões à bolsa para apaziguar os pequenos e médios patrões. Efeito das acções, em Julho, dos pescadores e dos camionistas? Também, mas não só.

Por um lado, as PME asseguram grande parte do emprego e a sua liquidação é factor de agitação social. Por outro, os grandes investimentos das próximas décadas no novo aeroporto de Lisboa e no TGV, dominados pelo grande capital, obrigam a compensar o “tecido económico” miúdo, para calar bocas. Mas, acima de tudo, está o facto de a base social do poder residir na natural aliança entre grande, média e pequena burguesia. Comprometer esta aliança – como acontece quando a crise ameaça liquidar uma centena de milhar de PME este ano (40 mil fecharam de Janeiro a Julho) – seria retirar base ao poder e pôr em risco a sua estabilidade.
Contra esse risco, PS e PSD formam hoje um bloco de forças políticas com mais afinidades que nunca – facto que traduz a unidade do bloco social da burguesia capitalista para fazer face à crise.

Estes factos contêm um alerta para as classes trabalhadoras, sobretudo se vistos à luz dos acontecimentos da primeira metade do ano. Primeiro, o apoio de muitos trabalhadores às paralisações patronais de Julho contra a alta dos preços dos combustíveis deu alguns benefícios aos pequenos e médios patrões, mas não deu um cêntimo a mais aos trabalhadores assalariados. Segundo, o apoio às PME só muito indirectamente (e temporariamente) poderá ajudar os trabalhadores a manter o emprego, porque a tendência de fundo da “modernização” será sempre a de liquidar as pequenas e médias empresas e de reduzir o número de empregos. E, terceiro, como é possível ver pelas posições do governo e dos patrões, os salários vão continuar cada vez mais em baixo, seja através do aumento do trabalho precário, seja pela perda de valor em resultado da inflação, seja mesmo pelo abaixamento em valor absoluto – como já sugeriu, em jeito de guarda avançada do patronato, o ex-presidente da CIP, Ferraz da Costa.


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