Bolívia: o dilema
João Bernardo — 6 Outubro 2008
O regime de Morales representa uma enorme ruptura porque surgiu não dos partidos políticos mas dos movimentos sociais, movimentos de massa organizados na base em torno de luta concretas. Foram eles que o levaram ao poder e o têm sustentado. Na Bolívia, a clivagem social corresponde a uma diferença étnica. Os pobres são índios ou mestiços, enquanto os ricos são descendentes dos colonizadores espanhóis. Isto faz com que os confrontos sociais sejam mais drásticos e visíveis, reforçados por uma diferença muito vincada nas tradições culturais, contribuindo para reforçar o racismo da direita.
De um lado está o peso eleitoral, porque Morales teve 67% dos votos no referendo de Agosto. Mesmo nas 5 províncias controladas pela extrema-direita, que agora reclamam autonomia, teve cerca de 40% dos votos e obteve a maioria em muitas áreas rurais. Do outro está o peso da riqueza, porque as 5 províncias produzem 80% do rendimento nacional. Sabendo que não conseguirão dominar como antes a população pobre, a extrema-direita quer fraccionar o país, ficando com as regiões ricas e entregando à miséria a maioria dos trabalhadores, que despreza enquanto pobres e odeia enquanto índios.
Parece que Morales preferiu procurar uma conciliação com a extrema-direita autonomista em vez de enveredar pela ampliação da luta social. Mas haveria condições para desenvolver o confronto de classes? Morales procura uma trégua para avançar mais tarde ou procura assegurar uma base estável pluriclassista? Para quem está longe é muito difícil responder a estas questões. No entanto, são as questões cruciais.
Comentários dos leitores
•José Pité 7/10/2008, 14:04
João,
Nada dizes da enunciada intervenção americana que, com os olhos postos no gás natural da região, teria colocado no país um embaixador perito em manipular uma acção separatista, aproveitando o movimento da extrema direita branca de que falas. Qual a tua opinião? O que é facto é que Morales ordenou a expulsão do embaixador.
•João Bernardo 10/10/2008, 14:32
Não me parece verosímil que a administração Bush, em fim de mandato e com problemas militares tão graves no Iraque e no Afeganistão, sonhe com uma aventura armada em qualquer país da América do Sul. Até porque, em termos geopolíticos, o Brasil é um colosso e não creio que possa haver uma intervenção nesta metade do continente sem o seu apoio. O que vejo o governo dos Estados Unidos fazer é prestar uma ajuda muito activa não só à direita como à pior extrema-direita nos países onde vigoram regimes conotados com a esquerda. É o que faz na Venezuela e na Bolívia também. Com a agravante de na Bolívia existir um fascismo autóctone forte e com numerosos apoios. Uma incógnita, pelo menos para mim, é a atitude do exército boliviano. Existirá uma facção de oficiais decidida a arriscar uma guerra civil em defesa da direita autonomista? Haverá uma mobilização política dos soldados capaz de contrariar essas eventuais movimentações?
•Renato 20/10/2008, 12:36
Com alterações, o que sucede hoje na Bolívia era o que se imaginava que iria ocorrer no Brasil num futuro em que o PT ganhasse o poder à frente de amplas mobilizações. No entanto, o PT abandonou as mobilizações, docilizou, burocratizou, adestrou tantas outras e as lutas tiveram que ser refeitas a partir de outros prismas, o dos movimentos sociais. Óbvio que nesse processo perdeu-se muita gente e muitas instituições, empenhadas agora em manter a exploração e a ordem.