As eleições no Rio de Janeiro

Alexander Hilsenbeck — 1 Outubro 2008

O governo brasileiro, com a finalidade de garantir os “direitos políticos” e o bom andamento das eleições democráticas no Rio de Janeiro [eleições autárquicas de 5 de Outubro], está a ocupar 27 favelas, identificadas como “curral eleitoral”, com um “manto de segurança” formado pelo Exército e pela Marinha. A ocupação militar (pré-agendada para evitar confrontos reais) deve-se ao facto de que traficantes e milicianos (polícias que extorquem a população) estabeleceram tabelas de “portagens” para os candidatos às eleições entrarem nas comunidades, colarem cartazes e pedirem votos.

Este facto, para além de demonstrar o enfraquecimento do Estado, que precisa de enviar centenas de soldados para parte do Rio de Janeiro a fim de garantir os formais actos administrativos eleitorais, também nos mostra que diversos membros deste Estado, como vereadores e deputados, se aliam a criminosos por ser um meio mais fácil e seguro de levarem adiante os seus interesses particulares, ao invés de apoiarem as incipientes formas de auto-organização social e popular.

A operação militar demagógica vem complementar a demagógica campanha eleitoral, pois a acção do Exército para reprimir as máfias criminosas tem a mesma eficácia que as próprias eleições enquanto mecanismo de representação, ou seja, tem função apenas mediática e de reforço das questões de segurança por cima das questões de classe, como mostra o anseio autoritário e repressivo do atual governador do Rio de Janeiro para que as tropas se entusiasmem e fiquem mais tempo nas comunidades. Diminuir as desigualdades sociais ou melhorar as condições de vida da população pobre e trabalhadora na favela? Sequer uma palavra.

A preocupação governamental é apenas a de garantir que os moradores das favelas possam votar num ou noutro candidato sem sofrerem a interferência imediata das pressões de grupos criminosos organizados. Mas a pressão ou as consequências advindas nas comunidades pelos próximos quatro anos não interessam ao governo. Com a actual fiscalização das urnas electrónicas [as eleições em todo o Brasil são electrónicas] que garantem a rapidez na apuração dos votos, também se garante que, rapidamente, os grupos criminosos tenham em mãos o mapa das eleições em cada região da favela e assim exerçam repressões de maneira generalizada e não individual sobre os trabalhadores pobres. Opressão generalizada que é oriunda também dos governantes que se preocupam com as favelas apenas na época das eleições; e sua preocupação é apenas a de enviar o Exército, garantir a paz pelas armas. Construir habitações e hospitais, fornecer o saneamento básico, assegurar postos de trabalho e locais de lazer aos moradores não passa pela cabeça dos “representantes” do povo.
Pudera, uma democracia que se resume a escolher entre candidatos atrelados a grupos criminosos e candidatos ligados aos interesses criminosos da elite jamais irá atender as necessidades da população pobre e trabalhadora. A lógica de corrupção e violência criminosa nas favelas do Rio de Janeiro, ou em qualquer bairro marginalizado das periferias de qualquer país, comummente se reproduz em íntima vinculação com o regime político na criação e reprodução de uma economia política da violência.

O Rio de Janeiro transformou-se num estado em guerra, onde é necessária intervenção até para se garantir uma eleição e no qual o Estado, quando actua, o faz somente para defender os próprios interesses ou os das grandes corporações empresariais, o que é um saque grandioso dos impostos pagos pelos trabalhadores e da proclamada finalidade do Estado.

Enquanto a democracia se resumir a um acto administrativo de transferência da soberania popular para outros, de tantos em tantos anos, a população pobre e trabalhadora continuará a ser refém, seja dos grupos criminosos armados, seja das armas do Estado.


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