Monstros

Faria de Almeida * — 10 Setembro 2008

A receita é conhecida. Quando a economia, estatal ou empresarial, está em dificuldades, as primeiras medidas incidem sobre os trabalhadores e os salários. Reduzir custos é a fórmula garantida, mas sempre com enfoque imediato sobre o custo da mão-de-obra. Despedir, reduzir direitos de quem trabalha, com o crescimento da precariedade em primeira linha, cerceando as reivindicações e aumentando a subserviência, colocar os trabalhadores em limbos com a rescisão em pano de fundo, são os principais, quase sempre os únicos, factores escolhidos pelos gestores.

Mas aquilo que Ferraz da Costa, numa entrevista ao Semanário Económico, defende só pode ser entendido como gozo. Diz aquele ex-patrão dos patrões que os salários reais dos trabalhadores portugueses, de forma a melhorar a competitividade da economia portuguesa, devem reduzir 30%. Leu bem, caro leitor. São salários reais e é uma descida de trinta por cento.

O senhor, na profundeza da sua sabedoria e no alto dos seus elevados rendimentos, só pode estar a gozar connosco. O país mais pobre e mais desigual da União Europeia, onde quase 20% da sua população vive no limiar da pobreza, tem como solução para a sua economia um maior, e compulsivo, empobrecimento da sua população. Provavelmente, Ferraz da Costa estaria disposto a colaborar para a constituição de mais Bancos Alimentares Contra a Fome, a contribuir com um óbolo para os fundos do Rendimento Social de Inserção, a ajudar em peditórios aos países ricos para ajuda alimentar ao seu país, pondo-o ao lado do Darfur e outros lugares onde a miséria, a fome e a dor campeiam.

A tónica da falta de competitividade da nossa economia, esquece aquele “gestor”, não é responsabilidade dos trabalhadores que têm dado provas mais do que suficientes que, quando integrados em estruturas eficientes, organizadas, bem geridas, são tão bons quanto os melhores. Esquece aquele “gestor” os sucessivos erros dos Governos que têm deixado para trás a educação e a formação, em troca de muito asfalto e muito betão (querem melhor exemplo do que o desemprego de 35 a 40 mil professores num país onde tanto falta na área do ensino?). Esquece aquele “gestor” a culpa dos empresários, tantos de baixas qualificações, para quem a formação, a organização, os meios tecnológicos estão a milhas das suas preocupações.

Provavelmente não esquece e conhece muito bem tudo isto. Mas é fácil fazer partir a corda pela parte mais frágil. É tão fácil agredir o elo mais fraco. É tão fácil bater em que está por baixo.

Uma verdadeira monstruosidade digna de quem deve considerar o trabalhador como um número, mais uma peça de uma máquina que se substitui, que se deita ao lixo quando não serve. Mas há famílias, há dignidade, há sentimentos, completamente olvidados por este e muitos outros monstros da gestão. Mas nós não esquecemos, sr. engenheiro.

* Artigo publicado no jornal Matosinhos Hoje em 3.9.08 e enviado pelo autor ao MV


Comentários dos leitores

Sandra 21/5/2009, 12:17

Isto é absurdo. Na minha opinião deviam aumentar o ordenado mínimo e deviam arranjar emprego a todos os desempregados que queiram trabalhar.


Envie-nos o seu comentário

O seu email não será divulgado. Todos os campos são necessários.

< Voltar