Os negócios imobiliários de Rui Rio

António Cunha — 26 Julho 2008

bairrodoaleixo_72dpi.jpgNa terça-feira, 22 de Julho, cerca de 50 moradores do Bairro do Aleixo manifestaram-se em frente à Câmara Municipal do Porto (CMP), enquanto, no interior, o executivo decidia, veio-se mais tarde a saber que com os votos favoráveis da coligação PSD/CDS e também do PS, o projecto para a demolição do bairro. Os manifestantes empunhavam cartazes onde se lia “Rio exterminador social” ou “Cansados de ser discriminados” e gritavam palavras de ordem como “Rui Rio cabrão, só vês o cifrão”. No mesmo espaço, cerca de duas dezenas de agentes policiais, quase um para cada duas pessoas. Rio, o mesmo que, em campanha eleitoral para o primeiro mandato contestou a demolição, tem medo dos pobres, pelo menos quando é apanhado a mentir-lhes.

No final, os manifestantes decidiram avançar com uma providência cautelar, que pretende suspender o processo até que haja uma reunião do executivo com os moradores, para se tentar encontrar uma solução de consenso. Há ideias e projectos alternativos. O que não há, porque se trata do unilateral Rui Rio, é a vontade de consultar as pessoas que serão afectadas pelas resoluções da CMP.

No Bairro do Aleixo, vivem cerca de 1300 pessoas. A população é socialmente desfavorecida, os níveis de escolaridade muito baixos, aliados à fraca qualificação profissional. O desemprego é elevado. Famílias numerosas convivem em espaços exíguos. Os espaços abertos são em geral incaracterísticos e desconfortáveis. E o senhorio votou o bairro ao abandono.

Tudo o que possa implicar a manutenção daquelas pessoas naquele local, entre a Rua do Campo Alegre e a marginal do Douro, com vista de postal e rodeado de condomínios de luxo, não interessa a Rio. O que ele pretende é deslocalizá-las, retirá-las das suas casas e enviá-las para outras zonas da cidade que ainda não se sabe quais são. O edil, se já se mostrara avesso à ideia de direito à habitação, revela-se agora completamente alheio ao direito ao lugar. Os pobres não têm direito a boas vistas. Ponto final.

As 1300 pessoas que vivem nas cinco torres vêem o seu futuro ameaçado com o novo projecto da autarquia. A preparação para a mudança começou através de uma carta enviada pelo «senhorio» das habitações, a empresa «DomusSocial, E.M.». A carta dava conta aos moradores do bairro da situação precária em que vivem e da necessidade de mudança, afirmando sempre que o diálogo será uma constante. «Iremos dialogar com todos os moradores ao longo de todo esse tempo», afirma-se no comunicado em que se anunciava que já se tinha tomado a decisão sem consultar ninguém.

De acordo com o plano vertido, a autarquia, através de concurso público, escolherá um parceiro privado para a criação de um Fundo Especial de Investimento Imobiliário (FEII), que ficará com o espaço do bairro social, avaliado em cerca de 13 milhões de euros, onde construirá habitações de luxo. Como contrapartida, a entidade privada irá construir de raiz ou reabilitar habitações devolutas e degradadas na Baixa do Porto, na zona histórica e noutros pontos da cidade.

Esta será a pedra basilar da propaganda autárquica nesta questão. A demolição do Aleixo vai ser, daqui a uns tempos, igual à reabilitação da Baixa. Com o tempo, veremos se os “outros pontos da cidade” não ganharão à zona histórica e à Baixa do Porto e se uma percentagem muito razoável das pessoas será realojada, no espírito do que aconteceu no Bairro S. João de Deus, onde o presidente da CMP, de decreto salazarista na mão, bradou que se tratava de gente que utilizava a casa para fins ilícitos, nomeadamente o tráfico de droga. Uma justificação que não decorreu duma decisão judicial, antes dum convencimento do edil.

Lembremo-nos do S. João de Deus, vulgo Tarrafal, por se tratar dum caso similar. Talvez por se situar no extremo oriental da cidade e de, como tal, os seus terrenos não serem tão apetecíveis para a especulação imobiliária, o processo de demolição deste bairro ainda não acabou. Neste momento há blocos habitacionais fantasma. As pessoas que ainda lá vivem estão mais esquecidas que nunca. Isso não se passará com o Aleixo porque a empresa que fizer parceria com a Câmara não vai deixar de querer rentabilizar esta oportunidade o mais rapidamente possível. O que, por outro lado, se repetirá, é que os problemas que lá existem não desaparecerão, serão levados para outros lados. Perguntem no Bairro do Cerco, no Machado Vaz, no S. Roque da Lameira ou no Lagarteiro se as coisas estão melhores agora ou antes da demolição do Tarrafal. Para a existência de situações problemáticas, Rui Rio apareceu com a panaceia da demolição. Os factos comprovam que está errado.

Há, claro, quem diga que o problema se coloca, desde logo, na escala, na falta de desenho urbano. E que a solução passa pela demolição das torres e posterior reconstrução, no mesmo local, de outro tipo de habitação social, aproveitando os cerca de 36 mil metros quadrados (dos quais apenas seis mil estão ocupados com habitação) e edificando um novo bairro, para quem quisesse lá ficar, com uma estrutura diferente, que se adaptasse à quantidade de famílias que permanecessem na zona.

Mas não. Rio já decidiu, está decidido. As torres vão abaixo e, mais retórica menos retórica, um espaço que é municipal, público, da comunidade, vai parar às mãos de privados.


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