Os termos da troca

Rita Moura — 25 Julho 2008

libano_72dpi.jpgNo site do MV, em Março deste ano, publicámos o texto de um autor anónimo, “Regras dos noticiários de todo o mundo sobre o Médio Oriente”. O jornal Público decidiu mostrar que sabia a lição. A propósito da troca de prisioneiros entre Israel e o Hezbollah, lia-se nas edições de 16 e 17 de Julho que a “festa no Líbano” contrastava com o país vizinho que “chora a morte de dois soldados”. A tónica era posta sobre a libertação do mais antigo prisioneiro libanês em Israel, Samir Kantar, em troca dos corpos de dois soldados israelitas capturados no Líbano em 2006.

Sobre o prisioneiro libanês dizem-nos que se trata de uma “besta humana” (palavras de Olmert citadas no Público), e que é “um dos mais perigosos radicais islâmicos” (informação da RTP). Sobre os soldados israelitas sabemos mais: chamavam-se Eldad Regev e Ehud Goldwasser, tinham 27 e 32 anos e viviam em Kiriat Motzkin e Naharía, onde os corpos foram recebidos “entre soluços e choro”. Mas sobre os nomes, idades e o choro das famílias dos quase 200 outros libaneses e palestinianos, mortos por Israel, cujos corpos foram entregues no mesmo dia, não se lê uma palavra.

Depois dos títulos e das notícias, segue-se frequentemente um breve resumo sobre as “atrocidades” do grupo xiita Hezbollah. Para o Público pouco interessa se são xiitas ou sunitas, mas convém inserir a palavra para que o leitor faça a associação de natureza religiosa e, daí, salte para o “fanatismo”. Outras vezes, acrescenta-se um parágrafo ou dois sobre a bondade israelita. Mas não encontramos uma linha sobre o ataque de Israel ao Líbano em 2006, testemunhado por milhões de pessoas no mundo inteiro, quando foram lançadas milhões de bombas de fragmentação, causando a morte de mais de 1200 libaneses, na maioria civis. Também não se lê que os dois soldados actuavam na fronteira com o Líbano quando foram capturados. A mesma fronteira que assistiu, em 1982, à chacina de Sabra e Chatila com mais de 3 mil mortos em cerca de 30 horas de massacre conduzido por Israel.

E se a informação sobre as idades dos soldados israelitas é importante, fale-se então também da idade da tal “besta humana”, do “perigoso radical islâmico”. Samir Kantar tinha 16 anos quando foi preso numa incursão militar da Frente de Libertação da Palestina em território israelita. Foi condenado a 5 penas de prisão perpétua. Passou 30 anos nas prisões de Israel. Durante todo este tempo, Israel arrastou as negociações para a sua libertação rejeitando as propostas do Líbano. Fê-lo agora, à razão de 2 para 200.


Comentários dos leitores

lol 25/7/2008, 15:51

Uma Montagem bem feita...


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