As maravilhas do capitalismo global

João Bernardo — 23 Julho 2008

Publicámos recentemente uma notícia e uma Breve acerca da utilização do trabalho de menores por empresas subcontratantes que produzem para o grupo Zara. Tendo em vista o público leigo, os administradores das grandes firmas elaboram códigos de conduta e emitem comunicados onde dizem desconhecer o que se passa e lavam as mãos do assunto.
Na realidade eles sabem muito bem quais são as condições vigentes nas subcontratantes, porque no actual modelo económico as empresas principais exercem um controlo rigoroso e permanente tanto sobre a tecnologia usada pelas subcontratantes como sobre os sistemas de trabalho a que estas recorrem; se não fosse assim, as próprias empresas principais entrariam em colapso, já que a sua actividade depende do fluxo produtivo das subcontratantes.

Para me resumir ao principal, e simplificando muito um sistema complexo, trata-se de cadeias de produção tecnologicamente integradas, mas em que a propriedade jurídica de um grande número de instalações − e, consequentemente, as responsabilidades e os encargos − é entregue aos subcontratantes.

Perante os auditórios de especialistas, porém, nos cursos de administração de empresa e em livros e artigos, os porta-vozes dos grandes patrões argumentam de outra maneira, dizendo que as subcontratantes só recorrem ao trabalho de menores e a modalidades de trabalho praticamente escravo quando estão implantadas em regiões e sociedades em que aquelas práticas são correntes. Aliás, o argumento vai mais longe e defende que as remunerações e as condições de trabalho são melhores − ou seja, menos más − nas subcontratantes do que nas restantes oficinas e fabriquetas locais.

Mas este tipo de argumentação desvia a atenção do problema principal, que é a capacidade de o capitalismo dos nossos dias integrar em cadeias de produção únicas desde formas de exploração arcaicas até às formas mais modernas. Para a produção dos mesmos artigos, no interior dos mesmos grupos económicos e unidos pelas mesmas cadeias de fabrico, colaboram desde trabalhadores andrajosos, amontoados em salas insalubres e recorrendo mais às mãos, aos pés e aos dentes do que a quaisquer instrumentos, até trabalhadores de bata branca, possuidores de diplomas e capazes de utilizar sofisticados programas de computador. Resultam desta situação três grandes consequências.

Em primeiro lugar, os centros capitalistas evoluídos perderam boa parte da capacidade modernizadora que sempre os caracterizara. Se as grandes companhias transnacionais encontram facilmente lugar para as formas arcaicas de exploração no interior da sua cadeia produtiva, então elas deixam de estar interessadas no desenvolvimento social das regiões atrasadas.

Em segundo lugar, o velho antagonismo entre capital nacional e capital internacional atenua-se ou desaparece num sistema em que as grandes companhias transnacionais, além de não terem propriamente sedes nacionais, atrelam aos seus interesses os capitais nacionais sob a forma da subcontratação.

Em terceiro lugar, torna-se muitíssimo mais difícil a união dos trabalhadores dentro de cada grupo económico, não só porque a mesma cadeia produtiva está fraccionada entre a empresa principal e o grande número de firmas subcontratantes, que podem dispersar-se por todo o mundo, mas ainda porque engloba pessoas com níveis de formação, capacidades e problemas bastante distintos.

É sobretudo desta estrutura conjunta, e não só de aspectos pontuais mais ou menos escandalosos, que resulta o reforço da exploração no capitalismo contemporâneo. E é nesta vastíssima dimensão que se coloca aos trabalhadores dos nossos dias o grande desafio da luta de classes.


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