Pretos e brancos

Manuel Raposo — 11 Julho 2008

As listas de deputados do MPLA para as eleições de Setembro próximo têm sido tema de chacota de todo o bicho-careta da comunicação social portuguesa. Isto porque o MPLA – como qualquer burguesia no poder – se rodeou das figuras públicas a que podia deitar mão, incluiu nas listas familiares dos dirigentes, enfim, mobilizou os fiéis do poder. Os nossos finos comentadores podiam, por exemplo, aproveitar para denunciar os chorudos negócios de muitos empresários portugueses com o governo de Luanda e contabilizar os subornos que fazem passar por baixo da mesa para obter os favores da classe dominante angolana. Mas não.

Nuno Pacheco, por exemplo (Público, 5 de Julho), ri-se do facto de um rei Bailundo de 92 anos ser candidato e de ter sido contemplado com um “todo-o-terreno”. E condena o MPLA por querer, imagine-se!, “conquistar os votos de que precisa para manter a maioria”.
Para o director-adjunto do Público, como para a generalidade dos comentadores, nada há a dizer do facto de a fadista Kátia Guerreiro ter sido mandatária da candidatura presidencial de Cavaco Silva; ou de umas dezenas de empresários terem financiado abudantemente a campanha do actual PR. Nada a dizer também de Soares-filho ser deputado e autarca quando Soares-pai era presidente da República. O desplante de Valentim Loureiro em angariar votos distribuindo electrodomésticos aos munícipes merece, talvez, uns comentários jocosos. Também é dado como normal que centenas de desportistas, artistas e caciques locais sejam arregimentados por todos os partidos com o fim exclusivo de “conquistar votos” e “manter maiorias”. Tudo isto está bem porque se passa por cá, porque faz parte da nossa inquestionável, branqueada, democracia. Mas o mesmo, passado em Angola, é sinal de nepotismo e ditadura.

É fácil aos plumitivos colocados nas proximidades do poder criticar “os pretos”. Mais difícil é vê-los fazer o mesmo com “os brancos” que lhes pagam. O jornalismo empresarial – que tem por missão fabricar a verdade oficial, dita “opinião pública” – tornou-se a arte de omitir os paralelos comprometedores. Uma das suas técnicas é a de apontar para longe.


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