«Não gosto que nos chamem ladrões»

João Bernardo — 10 Julho 2008

galp72dpi.JPGEm Junho de 2008, segundo a Direcção Geral de Energia do Ministério da Economia, o preço sem impostos da gasolina e do gasóleo em Portugal era superior ao preço médio no núcleo de 15 países da União Europeia (anterior ao alargamento de Maio de 2004). Em relação à gasolina era superior em 0,6% e, relativamente ao gasóleo, era superior em 1,9%. Como estas médias ocultam variações consideráveis, é útil saber que em relação à Alemanha, Áustria, Finlândia, França, Irlanda, Reino Unido e Suécia, o preço da gasolina sem impostos em Portugal era superior entre 1,4% (Finlândia) e 16,9% (Irlanda), sendo superior ao da Alemanha e Suécia sem impostos em mais de 7%. Quanto ao gasóleo, e relativamente à Alemanha, Áustria, Finlândia, França, Irlanda, Inglaterra e Suécia, o preço sem impostos em Portugal era superior entre 2% (França) e 21,1% (Irlanda), sendo superior ao preço sem impostos da Finlândia e Inglaterra em mais de 7%.

Estes dados constam de um interessante estudo efectuado por Eugénio Rosa, que se pode consultar em http://infoalternativa.org/autores/eugrosa/eugrosa180.htm, onde se lê também que «apesar do petróleo utilizado na refinação dos combustíveis ser o adquirido 2 a 2,5 meses antes, portanto a um preço mais baixo, na fixação do preço à saída do combustível das refinarias as petrolíferas não consideram esse preço, mas sim o preço do barril de petróleo registado uma semana antes, embolsando desta forma lucros elevadíssimos […]».

Entrevistado pelo Expresso de 28 de Junho acerca desta situação, o presidente da GALP, Manuel Ferreira de Oliveira, declarou «Não gosto que nos chamem ladrões», o que é compreensível, porque ninguém gosta. Mas o problema é outro. O aumento do preço do petróleo e dos seus derivados é sentido imediatamente por todos os particulares, considerados enquanto consumidores, mas exerce efeitos igualmente sobre as empresas, tanto industriais como de serviços. Embora os consumidores finais não possam repassar o acréscimo dos custos, enquanto as empresas consumidoras podem repercuti-lo numa subida do preço dos seus produtos, o facto de todos se apresentarem como vítimas explica o coro de protestos que se ergue sempre que o preço do petróleo aumenta. Estes protestos são especialmente audíveis numa situação como a actual, em que aquela subida se verifica apesar do abrandamento da actividade económica em numerosos países. Trata-se de uma excelente oportunidade para que os donos das empresas e os seus administradores procurem convencer a população trabalhadora de que os seus interesses são os mesmos, todos eles irmanados contra meia dúzia de especuladores.

Esta dicotomia entre os bons capitalistas e os maus capitalistas é um dos grandes factores ideológicos de conservação da ordem social vigente. «É sobre este lucros extraordinários injustos que é necessário tomar uma de duas medidas», escreve Eugénio Rosa no referido estudo; «ou obrigar as petrolíferas a baixar os preços dos combustíveis ou então lançar um forte imposto, chame-se “taxa Robin dos Bosques” ou outro nome, para penalizar estes lucros que têm apenas como origem a especulação verificada no mercado internacional do petróleo, e que não resultam de qualquer esforço produtivo das petrolíferas». É curioso ver que um dos mais importantes economistas do Partido Comunista considera aceitáveis, ou quem sabe se meritórios, os lucros resultantes do «esforço produtivo» das empresas, ou seja, daquilo que em termos marxistas − que deviam ser os dele − se denomina mais-valia relativa, e reserva a sua indignação para os lucros «que têm apenas como origem a especulação». (Ver também a posição de Jerónimo de Sousa na Breve “Anticapitalismo na gaveta”)

Ora, o facto de em Portugal o preço da gasolina e do gasóleo ser superior ao do núcleo de 15 países da União Europeia confirma o perfil que tem tomado o capitalismo português, onde há mais negociatas do que investimentos, onde se prefere aumentar os lucros subindo os preços e mantendo salários baixos do que aumentando a produtividade, onde existem mais espertalhões do que empresários. Tudo isto é típico de uma economia retardatária e relegada para uma situação marginal. Mas qual é o objectivo da esquerda, acabar com o capitalismo ou desenvolver o capitalismo? No caso de Eugénio Rosa parece que nem isto, porque sugere que «as receitas obtidas» graças ao referido imposto «poderiam ser aplicadas no apoio a entidades como o “Banco Alimentar” e similares, que forneceriam géneros e refeições a portugueses com falta de recursos para se alimentarem […]». Voltámos à sopa dos pobres.


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